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Foto do escritorRaissa Ferreira

É Tudo Verdade | Tesouro Natterer (2024)

Renato Barbieri retorna com documentário pouco inspirado para abordar um tesouro roubado, jamais se colocando como crítico a isso, e quase exaltando a figura responsável


Tesouro Natterer (2024)

De tesouros roubados de outras nações, a Europa entende bem. Johann Natterer, explorador austríaco, viveu por 18 anos no Brasil, lá em 1800, passou anos descobrindo lugares, povos indígenas, fauna e flora, e tudo isso resultou em uma coleção com milhares de peças retiradas de nosso país. Entre animais mortos e empalhados e artefatos indígenas, Renato Barbieri filma os objetos como se fosse uma coleção publicitária de um leilão de obras de arte, colocando um a um em fundos neutros, iluminados de forma a exaltar suas características como se fossem produtos à venda, rodando na tela enquanto um texto identifica o que são e qual o tamanho da coleção a qual pertencem. Peixes, pássaros, até animais maiores, pedaços históricos de povos originários que ainda existem aqui no Brasil, vermes bem identificados, de tudo um pouco, Natterer parece ter catalogado nosso país todinho com as coisas que tirou daqui, mas demora mais de uma hora para que alguém ouse dizer que tudo isso nos foi roubado. Se Servidão, seu filme documentário anterior, lançado recentemente nos cinemas, já era algo bastante sem criatividade cinematograficamente falando, mas com um tema extremamente importante e relevante, Tesouro Natterer é totalmente protocolar e cansado no âmbito criativo, mas piora quando se isenta em todos os sentidos, se torna um mero instrumentos de constatação de fatos que não elabora pensamento nem conclusão, abrindo margem para uma exaltação da figura do Europeu.


Quase impossível dizer se a intenção de Barbieri ao levar um líder indígena para conhecer os artefatos de seu povo, que hoje fazem parte de um acervo em Viena, era de confrontar essa questão da apropriação colonizadora. Ocorre que o homem parece tão admirado ao ver os objetos, quanto dolorido de os encontrar tão longe de casa, mas essa relação nunca é abordada, deixando para o final do filme uma única fala dele sobre a quem aquele acervo realmente pertence e a necessidade de ser devolvido, afirmação que a responsável do museu apenas responde também nos últimos minutos que sim, cuidaram bem de tudo aquilo e agora a coleção estaria pronta para voltar ao Brasil. Mas voltou ou voltará? Não fazemos ideia, tampouco é objetivo de Tesouro Natterer explorar essa questão. Por mais de 80 minutos seu único trabalho é contar a história de Johann descobrindo tudo isso, enviando para Viena, casando com uma mulher indígena e lutando contra revoltas para voltar à Europa. Há momentos em que parece que aqui só existem selvagens e irresponsáveis, até é espantoso compreender uma abordagem assim com um filme brasileiro, mas Barbieri aparenta não se posicionar na verdade, apenas filma e coleta dados, e nessa intenção tão passiva e alheia, algumas informações e falas se unem e formam significados que talvez não fossem totalmente de sua intenção.


É o que ocorre nas muitas falas da responsável no museu austríaco que pontua que lá os objetos estão bem cuidados, ou nos muitos relatos sobre Johann Natterer que o colocam quase como um herói sobrevivendo bravamente nessa loucura que era o Brasil de 1800. Talvez suas entrevistas não tinham como objetivo diminuir nosso país, nem as condições, revoltas e afins, mas sim, relatar a história de Natterer, e quando montadas como foram, acabaram parecendo uma ode a esse homem que esquece que milhares de coisas que talvez nem existam mais aqui, que são ricas e valiosas em nossa cultura e estudos geográficos, biológicos, entre outros, foram roubadas por ele, seja lá quais fossem suas intenções, e seguem de total acesso a um povo a qual nada disso pertence. É extremamente confuso quando isso quase entra em pauta aos 45 do segundo tempo e depois morre descartado e, para além do formato quadrado em que, mais uma vez, falta inspiração de cinema para contar a história, a relação com seus fatos se mostra indefinida e sem objetivo claro. Falta um autor regendo, se posicionando, pensando algo com as imagens e informações que se tem.



 

Nota da crítica:

2/5


autor

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