Pedro Diógenes convida a uma viagem musical por um cenário urbano vivo em que artistas de diferentes gerações são confrontados pela falta de perspectiva
Quando a primeira cena de Centro Ilusão termina, me senti compelida a aplaudir. Esse mesmo sentimento retornou diversas vezes, isso porque a forma como Pedro Diógenes trabalha o musical em seu longa é de parar tudo para que a performance seja vista em sua completude, que cada instrumento tocado seja observado, a letra sentida e a voz bem absorvida. Usando basicamente um dia, em uma impressão de tempo quase real, e um epílogo na manhã seguinte, a obra acompanha o encontro de duas gerações de músicos, o desesperançoso Tuca, interpretado pelo também músico Fernando Catatau que assim como o personagem, vem de uma banda e uma carreira antiga, e Kaio, vivido pelo artista Brunu Kunk. O abismo de idade entre os dois carrega uma complexidade em suas perspectivas de sonhos e vida. Tuca já tem pouca ou nenhuma fé que conseguirá se manter e ajudar aqueles que ama trabalhando apenas como músico e Kaio, no gás da juventude, tem seus medos, mas também alguma esperança e muita leveza. Diógenes faz mais uma vez um filme que olha para os artistas de Fortaleza e suas dificuldades de viver de arte, atravessado por sentimentos genuínos e uma intimidade pura com seus temas e indivíduos. A rua é viva, o centro é vivo, porque são nesses lugares que essas pessoas se encontram, conhecem referências, exercem alguma liberdade e conseguem alguns trocados. Centro Ilusão transforma a cidade em um palco para os músicos cantarem e tocarem, mas também para dividirem suas jornadas que são renovadas uma vez que o novo encontra-se com o velho.
O fascínio visto nos olhos de Kaio, em um close que preenche a tela, enquanto ele observa Tuca se apresentar, é o mesmo com o qual as câmeras filmam cada performance. Entre uma cena e outra, o filme se abre como um show para que os momentos musicais não sejam só parte da narrativa com suas letras, mas na feitura, nos acordes, na forma como as cordas são tocadas e como se posiciona o microfone, como as luzes iluminam os palcos, urbanos ou não. Diógenes valoriza essa arte, como se todo seu longa fosse uma homenagem a uma cultura nascida e criada em encontros nas ruas, de pequenas casas de shows e artistas que sempre se viraram para conseguir manter o sonho vivo. A esposa de Tuca é o maior exemplo dessa dificuldade, um talento gigante reprimido em um uniforme de vendedora para pagar as contas. Centro Ilusão não é uma ode à esperança de vencer na vida como artista, mas um retrato verdadeiro dessa impossibilidade. Fortaleza é vista como esse lugar efervescente, com pessoas criativas e cheias de talento a cada esquina do centro, mas também de possibilidades limitadas, de músicos fantasiados de Power Rangers para ganhar dinheiro - uma ótima participação de Démick Lopes -, outros que tocam na praça pra comprar cordas novas e que vendem seu instrumento por necessidade. A casa em que Kaio mora é lotada de pessoas alegres, mas com pouca grana pra se sustentar e essa é uma realidade universal, belamente retratada pela perspectiva da cena do Ceará a qual Diógenes é tão apaixonado e dedicado em mostrar ao Brasil e ao mundo por meio de seu cinema.
É muito interessante como a jornada de Tuca é projetada em sua caracterização. Conforme Kaio vai se aproximando dele, o homem mais velho vai removendo peças, mostrando o rosto, os braços, trazendo cigarros e bebidas como que mostrando sua verdadeira personalidade, que antes estava escondida em camisas, chapéu e óculos, em uma tristeza e falta de esperança que o menino mais jovem consegue adentrar e de alguma forma, modificar. O visual de ambos é alterado ao fim, casando suas imagens e formas de ser com a música que fazem juntos e o cenário em que a apresentam. Essa viagem musical cheia de encantos pelo cenário urbano que se relaciona constantemente nas cenas com sua dupla de protagonistas, tem pé no chão o suficiente para não criar sortes irreais para Tuca e Kaio, mas também não é pessimista, longe disso. Centro Ilusão tem alma de artista e encontra nas dificuldades uma maneira de unir as duas gerações distantes para renovar suas perspectivas. Quem trabalha com arte sabe que ganhar dinheiro é tão necessário quanto utópico às vezes e, mesmo assim, seguimos, porque é uma paixão impossível de se largar. Então, Diógenes não vê com tristeza a venda da guitarra nem a falta de sucesso de seus personagens no laboratório que os uniu, pois coloca a beleza justamente nesse encontro do qual nascem novas músicas. O palco aberto em cena transpira o som dando todo destaque para quem o cria e dá vida, a música que dá título ao filme é daquelas que gruda e dessa vez sim, os aplausos são propícios e misturam-se ao da apresentação dentro da tela.
Nota da crítica:
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