Épico de Brady Corbet tem falsa embalagem de grandiosidade que cobre a mediocridade de uma história inventada incapaz de elaborar suas ideias
Carregando o rótulo de filme independente com o modesto orçamento de menos de 10 milhões de dólares, O Brutalista (The Brutalist) certamente tem toda a intenção de parecer o mais grandioso que conseguir. As mais de três horas de duração que por vezes são vistas pelo grande público como um problema, são vendidas e encaradas nesse caso como um feito majestoso, o que é bom e épico precisa do seu tempo, mas é claro que há um intervalo de 15 minutos, algo atribuído por muitos como uma afeição do diretor à hollywood clássica, mas que soa desnecessário pela duração e talvez um esforço de facilitar uma audiência mais agitada e marcar com mais evidência sua transição de capítulos. Tudo aponta para algo importante e imponente, a trilha sonora de graves ecoantes, os movimentos de câmera estilizados, os créditos que percorrem a tela, as atuações que gritam (literalmente), O Brutalista quer ter certeza que quem o assiste está sentindo seu peso, que é também um peso do tempo, não de sua duração, mas do que se passa em sua narrativa constantemente marcada por relógios. Brady Corbet tem muito a dizer e concentra tudo na história fabricada de László Tóth (Adrien Brody), um arquiteto judeu que nunca existiu mas que tem sua vida contada ao mesmo estilo de qualquer cinebiografia genérica, só que com mais pompa. O sonho americano corrompido, retratado na subida de László de seu lugar obscuro ao céu iluminado de uma Nova York de cabeça para baixo, é também uma propaganda sionista, um comentário da crise de opioides, um retrato confuso sobre preconceitos, seja de religião ou de raça, um jogo de poder que quer ser Sangue Negro mas nem arranha a superfície, uma observação da elite estadunidense e suas imposições, a crítica ao cristianismo e à exploração de trabalhadores imigrantes, o retrato da mente de um gênio perturbado - um clássico que tem sempre uma esposa coitada ao lado -, o muito sublinhado ensaio sobre os Estados Unidos, e mais um tanto de coisas que se dão em meio a uma arquitetura pouco explorada mas que se coloca opressivamente no centro. A graça é que essa grandiosidade toda, inclusive o orgulho de ter sido filmado em 70mm, não sabe trabalhar suas imagens, precisando explicar nos minutos finais algo que sequer foi construído na narrativa, e tem um roteiro empobrecido que se vale de qualquer elemento externo que for para tapar suas incapacidades.
A arquitetura brutalista, que dá título e seria um ponto fundamental na vida de László, tem menos destaque nas imagens do que se espera. A câmera aproveita pouco a construção megalomaníaca do protagonista, e sua relação com o concreto, ignora as anteriores e posteriores, usando poucas cenas para percorrer seus corredores e tetos e acelerando sua construção de forma que a intenção do arquiteto não é colocada dentro do filme, mas somente em seu epílogo, em um texto lamentável. O trabalho de László que chama algum interesse é a biblioteca de Harrison (Guy Pearce), um dos poucos momentos em que O Brutalista olha para a feitura com algum encanto e levanta interesse às formas e espaços que esse homem transforma como um artista. Mas, tudo parece desculpa para centrar a narrativa na construção épica que toma boa parte do filme e se torna destaque no epílogo. De certa forma, esse grande projeto é como o próprio filme, algo que pretende ser majestoso, que precisa se usar de um orçamento menor do que precisaria, com uma pausa no meio antes de sua conclusão e que não tem sentido algum a não ser o que o próprio autor coloca para alguém ditar a um público que escuta atento. Quando falo de sentido, penso nas muitas pontas levantadas e abandonadas, em tudo que esse longa projeta em seus discursos, mas falha ao trabalhar, seja por falta de interesse ou de capacidade, mas também no uso da técnica de forma vazia, muito é bem feito, mas não passa disso, carrega em si uma apatia da pretensão por um feito estéril.
A linha que é traçada dos Estados Unidos como terra de salvação e ruína, do homem estrangeiro e judeu que precisa se provar a partir de suas construções, feitos históricos imutáveis pelo tempo que são atestados de sua existência naquele lugar, parece tanto querer ser empática e compreensiva com seu personagem, em seu lado mais íntimo da obra, quanto o diminuir e humilhar. Tanto László quanto Erzsébet (Felicity Jones) eram pessoas importantes em suas carreiras e estudos antes da guerra, mas na américa, são vistos como lixo, imigrantes de mão de obra barata, desvalorizados. A dinâmica tóxica entre o arquiteto e o magnata reforça tanto esses pontos que o filme acaba por humilhar László da mesma forma, em suas imagens que constantemente o retratam como algo menor, sujo, viciado, que aceita ser corrompido. A cena de estupro é um esforço um tanto perturbador no sentido de ser algo que mais uma vez destrói esse personagem sem uma construção narrativa sólida, parece existir apenas como mais uma maneira de o desmoralizar. Erzsébet, então, consegue ser uma esposa coitada, traída e doente típica da cinebiografias de gênios perturbados mesmo que a história aqui seja totalmente ficcional. Os tropos e elementos tradicionais estão todos aqui, pouco se aproveita a liberdade de trabalhar um personagem do qual se tem total controle dos atos e trajetória.
Em suma, a maior complexidade de O Brutalista é compreender como consegue-se vender como grandioso algo tão vazio e insignificante. Seria o elenco de nomes importantes, a trilha que implora atenção, a fotografia que pouco agrega narrativamente mas se apresenta com muita grife, toda pompa de uma encenação de épico ou o prédio de cruz gigante que se coloca no centro? Detalhes isolados talvez ainda tenham seus méritos, nem todos certamente, mas quando se pensa um filme, é preciso que tudo trabalhe unido em um mesmo propósito, algo que a crítica americana nem sempre compreende, mas que ainda é mais relevante do que categorizar pontos bem feitos em um todo empobrecido.
Nota da crítica:
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