top of page
Foto do escritorRaissa Ferreira

48ª Mostra | Retrato de um Certo Oriente

Marcelo Gomes faz de seu filme um álbum de fotografias que registra uma jornada de desejos reprimidos e liberados, entre o Líbano e o Brasil

Retrato de um Certo Oriente

A troca de “relato” para “retrato” no título do filme de Marcelo Gomes, adaptado do livro de Milton Hatoum, é acertada, uma vez que essa perspectiva audiovisual do texto é sobretudo, construída por fotografias. Seja na geral da obra, assinada por Pierre de Kerchove, em preto e branco e que transforma cada cena em um registro do instante banhado pelo contraste de sombra e luz, ou pela ideia de captar esses momentos, da saída da terra natal, a longa jornada, os relatos de desconhecidos que documentam pedaços históricos, quase saindo da ficção, e as primeiras raízes firmadas no novo país. O começo afobado de Retrato de um Certo Oriente não faz questão de apresentar nem Emilie (Wafa’a Celine Halawi) nem Emir (Zakaria Kaakour) e o ato passional do homem ao sequestrar a mulher de um convento é tão atestado de seu desespero quanto de sua relação conturbada com o que descobriremos depois ser sua irmã. Ambos dividem uma dinâmica que os aproxima muitas vezes do que é esperado de um casal, porém, de forma forçada para Emilie. A fuga do Líbano não é escolha dela, muito menos o novo destino dos irmãos, tudo lhe é imposto por Emir que quer fugir dos conflitos e ouve dizer que no Brasil existem oportunidades. As decisões do homem jogam Emilie em um grande navio e nesse acaso, ela encontra Omar (Charbel Kamel), um homem muçulmano. A paixão que nasce entre os dois revela ainda mais da possessão do irmão, usando o preconceito para pautar seu ciúme pela irmã. Durante todo esse tempo, uma longa viagem até terras brasileiras, Emilie aprende o português e o filme registra cada momento seu como um álbum de fotografias que se une ao ritmo para contemplar os enormes lugares que apequenam os personagens e transmitem uma paixão pelos cenários, o crescente amor de Emilie e seu espírito que se adapta ao novo país que a recebe.


Assim, Gomes ressalta nesse percurso como a mulher se abre às experiências e as pessoas que encontra, enquanto Emir permanece fechado, literalmente na cabine em que viaja clandestinamente, mas também metaforicamente, por como se porta perante o mundo. Há esse sentimento confuso com a irmã e a apresentação de um outro possível desejo, com outro homem. Ele recusa todos, jamais enfrenta o que sente verdadeiramente pela irmã, sendo sempre um ponto sensível em como trata sua liberdade, nem se joga na possibilidade nova que lhe é apresentada em um encontro que também deve lhe parecer extremamente proibitivo. Os irmãos se dividem então entre uma que abraça suas vontades e permite responder ao que seu corpo pede, indo atrás e insistindo no que quer, e o outro que reprime tudo que sente e explode em reações desmedidas justamente por isso. A forma como as cenas observam Emilie sempre fascinada com as possibilidades, não a apequena em relação aos cenários como que a engolindo, mas demonstrando a imensidão daquilo que irá desbravar. Já Emir sim, será soterrado por todo e qualquer ambiente em sua pequenez, se entregando a uma natureza muito maior do que ele, a mesma que o salva depois de um ataque ciumento é a que o consumirá por sua própria vontade depois de muito engolir seus sentimentos.


O desejo aqui, tão bem ilustrado, seja no ato de sucumbir, como quando Omar e Emilie comem mangas juntos e o filme mistura essa ação e sons a um prazer carnal, ou na repressão total, que vem da forma passional como Emir reage sempre que vê a irmã com o novo amante, ou até como acorda de um coma profundo quando ela finalmente se entrega de corpo a Omar. É até cômico, mas principalmente angustiante como a mulher é limitada aqui por uma figura masculina e, ainda assim, é capaz de ditar seus próprios caminhos, construir seu destino a partir de suas vontades. O seguir em frente, que é tão importante para Emilie, fica diretamente atrelado às fotografias, retratos de um passado construído em momentos que foram imediatamente deixados para trás para que o novo pudesse entrar. É o forte de Retrato de um Certo Oriente, não permanecer em um discurso, não tentar dizer muito com seu texto, mas se dedicar a elaborar algo com as imagens, algo que tem faltado bastante no cinema atual. Nesse mesmo lugar há também uma falta de preocupação que torna o roteiro um coadjuvante bastante simples, então a atração pela fotografia acaba suprindo ou até distraindo quem assiste desse lado menos interessante do longa.


 

Nota da crítica:

3.5/5


autor

Comments


bottom of page