Rompendo com o comum, Jonás Trueba expõe o ciclo repetitivo de relatos de um fim a partir da narrativa cinematográfica
Terminar um relacionamento longo envolve muito mais que sentimentos, mas diversas burocracias, entre elas, uma das mais complicadas é contar a todos os familiares e amigos que a separação está para acontecer ou já se concretizou. Jonás Trueba vai pegar esse detalhe e o levar a uma exaustão, repetindo diversas vezes o momento em que Ale (Itsaso Arana) e Alex (Vito Sanz) precisam contar a outras pessoas que estão se separando, mas que estão bem e que decidiram dar uma festa para celebrar o momento, uma ideia do pai da mulher que vem de fora do longa para inspirar a própria existência de Ao Contrário (Volveréis), que nunca nega sua feitura fílmica, mas a abraça em sua própria narrativa que pensa o relacionamento por meio do cinema. A principal inspiração da sétima arte é muito bem marcada, Truffaut, mas são muitas as referências que se apresentam, afinal o longa retrata um casal de artistas. Trueba, no entanto, rompe com as escolhas convencionais, seja pelo casamento que termina em festa ou por como conduz seu filme. Suas repetições funcionam para que se torne cada vez mais cômico o ato de colocar em palavras o término, que estressa tanto seus personagens a ponto de convidarem até o encanador para a festa. É esse processo de circular em torno do mesmo momento que faz o casal digerir seu relacionamento, que só é apresentado a quem assiste a partir da decisão do fim, sem justificar suas motivações ou conduzir por esse processo, tudo que é conhecido de Ale e Alex são suas personalidades a partir de uma mudança brusca em suas vidas. Assim, o filme da mulher, que é o próprio longa de Trueba, brinca com pontos de vista e formas de alinhar a história, corta cenas e as espelha, retorna ao mesmo ponto e manipula o que já foi visto. Relacionamentos amorosos quando acabam são um pouco esse processo de montagem, de rever momentos na memória e os organizar de forma a compreender o que se passou e o que se passa, é assim que o casal principal reflete como botar um ponto final em 15 anos partilhados.
Pensar que nessa jornada filmada ambos acabaram desistindo do rompimento, por como se envolvem sexualmente novamente ou compram cadeiras juntos, é tentar desvendar demais um processo que já é puramente desprovido dessa intervenção externa. Se em nenhum momento Ao Contrário vê necessidade em explicar por qual motivo (ou quais) Ale e Alex estão se separando, cabe apenas ao casal compreender o próximo passo, enquanto quem assiste só se limita ao lugar de observar o quebra-cabeças de um amor que se desloca, monta e desmonta. A obra de Trueba propõe uma relação com esse caos cômico de encontrar beleza no fim, sendo se reencontrar também parte dele ou seu cancelamento, mas principalmente, o ordenar de peças que compreendem a repetição, seja verbal ou de cenas, de uma contravenção amorosa. É incomum a todos uma festa de divórcio, mas Ale e Alex querem tanto normalizar esse processo que é a partir dessa insistência em divulgar a todos, destacando a paz de espírito em que fingem se encontrar, que realmente processam como se sentem com essa grande decisão.
O humor inteligente e elegante de Ao Contrário tece uma análise das convenções sociais, seja da união que deve ser propriamente legalizada e celebrada ou da separação que precisa ser muito bem contextualizada, como se uma relação entre duas pessoas, na verdade envolvesse também todos os pais, irmãos, amigos e vizinhos. O privado se torna público a partir do momento em que uma decisão íntima deve ser dissecada a cada um que a precisa ouvir. Fascinante, então, que se estresse esse ponto, o leve a uma exaustão que coloca os protagonistas em uma crise que pouco é sobre a festa, o ponto que mais chama a atenção de todos, mas que é muito mais uma distração da verdadeira questão, a certeza que há sobre o fim de uma história de 15 anos. Como é pouco do interesse de Trueba observar o que uniu ou manteve Ale e Alex juntos, afastando um melodrama que valoriza o amor eterno acima de qualquer dificuldade, é interessante que o longa permita essa resolução apenas aos personagens, deixando uma conclusão mais aberta que pode tanto ser lida como uma vitória do relacionamento que se ressignifica a partir do fim, quanto a compreensão da finitude das coisas, enxergando o amor como a ideia de encarar a linha de chegada com menos dor e mais aceitação.
Nota da crítica:
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