top of page
Foto do escritorRaissa Ferreira

48ª Mostra | Dying - A Última Sinfonia

Fragmentando sua narrativa sincera, Matthias Glasner dá conta de individualizar as relações com a finitude de cada membro de uma família compartimentalizada

Dying - A Última Sinfonia

A morte não vem com rodeios em Dying - A Última Sinfonia, muito menos com floreios. Encarar a humanidade atrelada a uma longa caminhada até o fim é parte crucial da observação dividida em capítulos e pontos de vista que Matthias Glasner propõe. Por isso, abrir o filme com uma mulher idosa suja e jogada ao chão não é um olhar que pode ser classificado como simplesmente degradante, mas pelo humor empregado no longa, que dá alívio ao pesar das situações, vê-se com naturalidade uma fase da vida em que a casca começa a dar sinais problemáticos na operação. A relação do casal Lissy (Corinna Harfouch) e Gerd (Hans-Uwe Bauer) abre os muitos capítulos da obra estabelecendo prontamente seu tema, a morte e como as pessoas lidam com ela de diversas perspectivas, e dando um tom que permite à pessoa espectadora respirar com alguma tranquilidade, já que a densidade da trama se mostra trabalhada muito costurada a uma leveza. É permitido que se ria da tragédia e que o espanto com a sinceridade seja cômico também, estamos todos morrendo, afinal. Ao lidar com os pais idosos já na curva perto do fim, em estados de saúde precários e que são claramente apenas administrados, não tratados, a narrativa puxa os filhos afastados que cuidam de suas próprias vidas, Tom (Lars Eidinger) e Ellen (Lilith Stangenberg) para desenhar uma reflexão acerca de núcleos familiares bastante realista, diametralmente oposta à romantização, podendo ser lida como fria, mas em suma, verdadeiramente honesta. Poucas vezes vemos no cinema atual diálogos tão cruamente genuínos quanto o de Tom e sua mãe após um velório, todo trabalhado em plano e contra-plano, com simplicidade estética para dar foco à profundidade do que é dito. Glasner dá espaço então para que seus personagens falem abertamente e vivam da mesma forma, individualizando suas vivências para compreender como esses humanos que vem de um grupo, se formam e reagem ao mundo em suas próprias jornadas exclusivas.


Essa compartimentalização da trama, partindo da proximidade com a morte dos pais para observar a família separadamente, também é uma rejeição a lidar com as relações familiares puramente como traumas psicológicos que nos formam. Tom e Ellen vivem vidas muito distintas, ele, próximo da arte em forma de música, como maestro, em um relacionamento complicado com uma mulher e uma bebê que é apenas parcialmente sua filha, ela, auxiliar de dentista, constantemente buscando anestesiar sua vida com o álcool e experienciando relações impulsivas. Dying - A Última Sinfonia não está preocupado em traçar as personalidades desses filhos já muito adultos a partir do seio familiar, mas faz parte de sua observação compreender seus distanciamentos de forma honesta, como a mãe nunca realmente se importou tanto assim com o filho e ele com ela, como os irmãos só aparecem nas últimas circunstâncias, no que soa uma negligência com os pais que precisam da ajuda de uma vizinha para as coisas básicas, ou como a mãe vai também se afastando do marido que se desconecta cada vez mais da realidade. Se o capítulo que abre o filme dá a entender de alguma forma que aquele casal sobrevive apoiado um no outro, o desenvolvimento das outras três horas deixa claro que essas ajudas são mais protocolos sociais do que cumplicidade e afeto. Não é tão triste e simplista quanto soa, mas é direto, objetivo e franco. 


A morte se apresenta de muitas formas, na própria sinfonia que dá nome ao longa, no fim que o artista dá a sua vida, os relacionamentos que terminam, acidentes, corpos caindo e funerais. Mas, é também o oposto que preenche o espaço a seguir, uma nova gestação, uma composição fascinante que se eleva por músicos enlutados, a empatia do irmão no encontro final. O ciclo fundamental da existência, vida e morte, é base de qualquer estrutura familiar, assim como os desafetos, fracassos, vergonhas e obrigações protocolares. O que Glasner faz é retirar o véu que torna tudo aceitável socialmente para permitir que seus personagens lidem com seus parentes e sentimentos como bem entenderem. Seja escolhendo a própria morte ou possibilitando essa escolha a alguém que se ama, abraçando que há tanta violência quanto beleza na vida, nas palavras e nas relações, e que na mesma medida que o fim é um caminho inevitável e esperado, existe uma renovação constante da vida até ele e mesmo depois dele para quem fica. Se existe algo que consegue misturar as sensações de viver e morrer, Dying - A Última Sinfonia deixa claro que é a arte, abrindo humildemente seu espaço fílmico para que a música preencha suas cenas com o impulso mais belo que a trama carrega, e unindo pela imagem os rostos silenciosos que ao mesmo tempo induzem e captam a emoção.


 

Nota da crítica:

4/5


autor

留言


bottom of page