Em faroeste de símbolos ressignificados, Erico Rassi deixa as personagens femininas saírem de cena para expor as deficiências emocionais masculinas
Uma mulher se levanta e caminha até o horizonte, vista apenas de costas para a câmera enquanto dois homens brigam por ela. Essa é a última vez que Oeste Outra Vez mostrará a figura feminina em suas imagens. A canção de Nelson Ned a todo volume no fundo enquanto homens bebem suas solidões encerra o filme. Esses dois momentos são a síntese do que a obra escrita e dirigida por Erico Rassi tem a dizer. Nesse velho oeste brasileiro as mulheres saem de cena e os poucos homens povoam uma cidadezinha deprimente se comunicando de forma simplista e lenta. No bar de Totó (Ângelo Antônio), existem dois banheiros marcados como “ela” e “ele”, na frente da porta do feminino, caixas e entulhos se empilham indicando que nenhuma mulher frequenta esse lugar há um bom tempo. Nenhuma surpresa, esses homens são o retrato de uma masculinidade até bem universal mas, principalmente, muito brasileira. Entre eles os diálogos são falhos, os sentimentos se resumem ao verbo “gostar” para se referir a uma mulher da qual sentem falta e que já está com outro parceiro. Se comunicam em repetições e afirmações descomplicadas embora seus semblantes solitários indiquem um buraco mais fundo. São incapazes de pedir ajuda que não seja em busca de violência e, obviamente, não sabem como falar nem agir propriamente com as figuras femininas ausentes. Os símbolos do faroeste são ressignificados, a virilidade masculina perde força, ninguém acerta nenhum tiro, os assassinos são capengas e um tanto patéticos. Repetem aos montes a vontade de encontrar uma mulher para suprir as coisas práticas, cuidar da casa, fazer comida, preencher um espaço no lar e ao lado de cada um, mas só encontram companhia mesmo nos bares e copos de bebida, por vezes até uns nos outros.
Em Oeste Outra Vez, as casas são sujas e bagunçadas, os personagens constantemente jogam lixo na rua pela porta da frente. Somando-se isso a uma melancolia latente desse povoado masculino, é gritante a ausência das figuras femininas. “É difícil encontrar outra mulher” eles repetem constantemente. Pelas imagens que apequenam homens e um texto fascinante que reforça as deficiências comunicativas e emocionais deles, Rassi faz um retrato de uma sociedade do passado, presente e futuro, dentro de um imaginário fantasioso. Se o gênero do faroeste foi capaz de elevar a força e potência máscula a partir de hollywood para o mundo todo, Oeste Outra Vez subverte essa intenção para expor quão pequenos e falhos os homens são na verdade. Não é que eles se sintam maiores e melhores do que como são ilustrados no filme, mas são justamente colocados da forma como se enxergam, diminutos. Em suas conversas, muito bem construídas por um humor que dá respiro para pontuar o quão simplistas são as coisas que eles têm a dizer, é quase como observar crianças em desenvolvimento estagnado. Eles sentem saudades, dores, incômodos e necessidades que são incapazes de pontuar. Nas ligações de Totó para a ex que o deixou, ele pouco consegue desenvolver, apenas espera que ela tenha magicamente mudado de ideia. Durval (Babu Santana) então, seu atual, nem ao menos percebeu que a mulher saiu andando e nunca mais voltou.
Entre os dois homens em lados opostos pela mesma mulher, os pistoleiros, um muito mais velho e dois mais jovens e mesmo assim, tão errantes quanto, Oeste Outra Vez dá dimensão de um sertão grande em Goiás, mas abandonado pelas pessoas. Os personagens que existem estão sempre no bar, as garrafas de bebida estão presentes em todos os cenários e casas, todos os moradores do lugar buscam na bebida algum conforto, bem como nas músicas, como a de Nelson Ned, um clássico dos balcões tristes com homens sofrendo. A quem assiste, só se ouve falar de uma esposa que foi embora, outra que mora com um amante mais jovem do outro lado do rio, mas sobram os vazios que elas deixam, mesmo que esses solitários sejam incapazes de dizer algo mais elaborado sobre o que sentem a partir disso. Fantástico e fascinante como Rassi faz o grande filme brasileiro deste ano e, também, uma obra que certamente ficará marcada no nosso cinema, utilizando um tema que não é sublinhado ou martelado em frases expositivas, mas traçado com delicadeza e controle de suas imagens e texto, seja por como as luzes operam para manter homens na escuridão ou como seus diálogos são elaborados para expor seus interiores precários. É tudo muito coeso sem precisar ser mastigado, a grandiosidade de trabalhar ausências e incapacidades para expor um retrato social com ajuda dos gêneros cinematográficos.
Nota da crítica:
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