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Foto do escritorRaissa Ferreira

A Primeira Morte de Joana (2023) | Inocência, transformação e coragem

Longa de Cristiane Oliveira retrata o amadurecimento feminino por meio de uma investigação infantil e a coragem de viver na contramão de terras retrógradas



O primeiro luto familiar que vivemos pode ser tão determinante para nosso desenvolvimento quanto toda a fase do amadurecimento na puberdade. No caso de Joana (Letícia Kacperski), as duas experiências são combinadas nos difíceis 13 anos, quando a mulher de sua família com quem mais se identificava morre, deixando muitos questionamentos internos na menina. Cristiane Oliveira usa essa identificação da garota com a tia de 70 anos como gancho para as descobertas da sexualidade de Joana e os desafios de assumir um caminho contrário à pequena comunidade extremamente conservadora em que ela vive, no sul do Brasil no começo dos anos 2000. O olhar infantil das meninas é essencial para dar leveza a tudo que é tratado, ainda que os temas possam ser duros, o filme se esforça para tomar caminhos otimistas e prefere a doçura e a inocência ao invés de lidar tragicamente com o preconceito. É uma história que lembra Close (Lukas Dhont, 2022), porém trocando o gênero das personagens e indo por caminhos muito mais tranquilos e menos sofridos. Ainda que Cristiane pareça se enrolar em alguns momentos com uma narrativa emperrada, A Primeira Morte de Joana tem um ar de nostalgia e uma sutileza que conforta, rejeitando a rota mais pesada que a temática já recebeu tantas vezes no cinema.


A maior força do longa está justamente no olhar infantil de Joana e Carolina (Isabela Bressane) que vivem essa fase de transformações como se fosse um jogo entre amigas. A investigação da menina sobre a vida amorosa da falecida tia tem problemas de desenvolvimento e parece que está sempre se repetindo nas conversas das duas, sem realmente se transformar em atitudes, da mesma forma que os questionamentos sexuais que despontam comentários mais intensos entre elas parecem que vão se desenvolver em algo maior - como faz Céline Sciamma em Lírios d'água (2007) - mas não vão pra frente. Mas, o que preenche esses espaços com a inocência de Joana é uma bonita jornada de se descobrir a partir do outro. Ao questionar familiares, vizinhos e conhecidos sobre a ausência de namorados na vida da tia, é como se Joana já soubesse a resposta que gostaria de ouvir, que atesta que ela e a artesã eram mais parecidas do que se imaginava. Porém, cada pessoa tem sua ideia sobre a vida da mulher, que na verdade é uma projeção de suas próprias questões internas. A mãe da menina, por exemplo, Lara (Joana Vieira), fala como se a tia tivesse escolhido ser elegante ao não ter namorados e não sucumbir aos desejos carnais, o que é exatamente a batalha interior dessa mulher, que já é separada, tem um interesse romântico mas fica se prendendo ao invés de se entregar.



A identificação que move Joana também é em relação a Carolina, que é uma garota mais livre, por sua relação com os pais - menos conservadores que a mãe de Joana - e com o exterior - por ter vivido em Berlim, longe do conservadorismo da pequena comunidade. Carolina tem mais coragem de viver sua verdade e a relação doce entre ela e Joana transforma as duas, usando também a investigação da tia como condutor, porém de forma um tanto falha, como dito anteriormente. Assim, lidar com a morte da pessoa com quem mais se identificava na família também a aproxima da amiga que partilha dessas mesmas questões. Nesses pontos, Cristiane Oliveira caminha pelos preconceitos pensando não apenas na região remota no sul do país, como também na época, um trabalho de olhar para costumes regionais e para um passado bem pouco distante, onde a tecnologia começava a ser mais presente mas muitas convenções ainda não haviam começado a mudar. Frases de efeito sobre as diferenças de gênero, crenças e estilos de vida pontuam o conservadorismo do local, aliados ao segredo sobre a sexualidade da tia, a famosa história que todo mundo conhece, mas todos fingem não saber. Não é como se estivéssemos anos luz à frente hoje em dia, mas sempre que olhamos para trás (e para certas regiões) as coisas são ainda piores.


Mesmo com seus problemas ao elaborar certos pontos, A Primeira Morte de Joana carrega uma beleza importante para o tema, lembrando também o recente Paloma (Marcelo Gomes, 2022), por sua leveza e esperança. Ainda que a realidade seja dura, é sempre bom ver a coragem de atravessar rodovias para viver (e amar), com a despreocupação de como o mundo vai reagir, e que lugar melhor para imaginar histórias mais leves do que o cinema.


Filme assistido a convite da Sinny Assessoria e Lança Filmes

A Primeira Morte de Joana chega aos cinemas em 4 de Maio.


Nota da crítica:

3/5




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