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Foto do escritorRaissa Ferreira

A Teta Assustada (2009) | O medo hereditário de ser mulher

O filme da cineasta Peruana Claudia Llosa retrata de forma delicada o crescimento através do medo e da solidão



Com uma voz suave e uma doce melodia é que ‘A Teta Assustada’ mostra como percorrerá caminhos tão tortuosos com um olhar inocente e delicado. A música cantada pela mãe só parece bonita, quando prestamos atenção em suas palavras vemos a brutalidade e a dor que estão ali, o relato de um estupro violento que aconteceu enquanto ainda gerava sua filha, Fausta (Magaly Solier). Essa jovem que convive com a dor da mãe constantemente, se tornou uma pessoa assustada e fechada para o mundo. Fiel companheira da genitora, Fausta agora tem que lidar com o luto e a ideia de encarar a vida sozinha, com medo constante de se tornar uma vítima da mesma tragédia que sofreu dentro do ventre.


Toda movimentação ocorre na vida de Fausta após a morte da mãe, não só por estar sozinha, mas também por querer dar um enterro digno a ela. Morando num vilarejo pequeno, sua melhor chance de conseguir o dinheiro necessário é trabalhando em uma casa de uma mulher rica, o que tira a jovem completamente do seu eixo habitual, da sua zona de conforto. Enquanto o corpo de sua mãe é preservado pelas mulheres da família, para aguardar o enterro, Fausta começa a enfrentar um demônio de cada vez em nome do amor e respeito que sente.



A cada andar na rua e homem estranho que aparece em seu caminho, vemos a jovem tão assustada que o clima que ronda o filme começa a ser de ansiedade, como se a qualquer momento algo de ruim realmente fosse acontecer com ela, como se cada homem que se aproxima dela fosse um possível violentador. O medo crescente em Fausta ao encarar o mundo lá fora atravessa a tela. A jovem pouco diz, se expressa maravilhosamente por seus olhares e sua voz, quando canta. Suas armas para se defender desse potencial risco constante são sua forma fechada de ser, um cuidado ao analisar as mãos dos homens desconhecidos e uma batata que cresce dentro dela como um escudo, mas também como seu próprio medo, adoecendo seu corpo e criando raízes em sua dor. A diretora trata os temas de forma sutil e apenas sugestiona tudo que ocorre no corpo de Fausta, focando principalmente em seu rosto em grande parte do longa.


Os ritos culturais, da preservação do corpo morto aos costumes matrimoniais, são filmados em planos longos, contando uma história de forma quase didática. Mesmo com todas as cores que permeiam esses costumes e a alegria que cerca algumas festas, o filme todo tem uma atmosfera nublada que traduz a forma como Fausta vê o mundo, um tanto sem cor, triste e pouco convidativo. Observamos tudo através de seu olhar, sua ansiedade e seus receios. Afinal, se a jovem acredita que a violência contra seu corpo é quase uma sina, o mundo todo deve parecer desconfortável, quase uma prisão.


Aos poucos Fausta conquista pequenas confianças e evoluções, cantando com sua patroa, convivendo com o jardineiro e vivendo sua vida fora do vilarejo. Fica claro que apesar de ser uma mulher, ela ainda tem a inocência de uma menina e enquanto se movimenta e enfrenta pequenos desafios, o medo ainda cresce dentro dela.



Dentro da casa em que trabalha vemos os conflitos de classe bem traçados, a diferença clara entre o povo que ali sempre esteve, em seus vilarejos, servindo aos interesses de pessoas ricas que vivem no centro da cidade. A patroa de Fausta se interessa por sua voz e se aproxima da jovem, mas aos poucos esse interesse se mostra uma inveja, um sentimento ruim. Da cor das peles até suas árvores genealógicas, tudo coloca as pessoas de dentro daquela casa em um lugar completamente oposto ao das pessoas de fora, um conflito que atinge a protagonista mesmo antes dela nascer.


O crescimento de Fausta, como tudo nesse filme, é uma alegoria graciosa. Seu amadurecimento é evidente quando finalmente se vê pronta para tirar todo aquele medo de dentro de si e se separar fisicamente do corpo da mãe. A doença passada pelo leite materno, o medo hereditário de ser mulher, cresce lá dentro até que finalmente floresce fora de seu corpo, se transformando.


Nota da crítica:

4,5/5




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