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BIFFF 2025 | Welcome Home Baby

Andreas Prochaska usa a invasão do corpo feminino e o horror de seitas em vilarejos para compor narrativa fraca e pouco estruturada

Welcome Home Baby

Uma das primeiras cenas impactantes de Welcome Home Baby é a de um parto vaginal, retratado de forma visceral, em um dos atendimentos de Judith (Julia Franz Richter), que é uma médica de emergências em Berlim. Até esse ponto tão precoce na narrativa, fica difícil compreender a importância que essa cena poderá ter com o desenrolar dos fatos, até porque, o longa parte rapidamente para a viagem da protagonista e de seu marido Ryan (Reinout Scholten van Aschat) para a Áustria, motivados a recolher a herança da mulher e vendê-la o mais depressa possível. Judith, que cresceu sem sua família após ter sido abandonada na infância, não se lembra de nada nem ninguém, mas recebe uma ligação sobre a morte do pai. A casa herdada, uma propriedade gigante, era não só o lar em que a médica nasceu, como também o consultório do genitor, que ironicamente praticava a mesma profissão. 


A chegada de Judith no vilarejo de sua origem é cheia de estranhezas. Todos parecem a conhecer e saber tudo sobre ela, logo os moradores começam a pedir consultas, já que o médico local era seu falecido pai, insistem que ela fixe residência no lugar e forme uma família. Porém, a protagonista de Welcome Home Baby está longe de ser uma mulher tradicional aos moldes dessa cidade, que mais parece uma seita sombria e religiosa. Seu corte de cabelo lembra a personagem de Titane, seu corpo tem algumas tatuagens e, embora esteja em um casamento heteronormativo, eles não desejam de forma nenhuma ter filhos, tanto que Ryan já fez uma vasectomia no passado. Há um embate então, entre essa modernidade representada por Judith e sua forma de viver, até bem comum atualmente, e os costumes e expectativas da pequena e bizarra sociedade em que nasceu.


Welcome Home Baby vale-se da lógica rotineira do casal para atordoar a mudança dos dias, em lapsos temporais que manipulam a mente da mulher e passam a prender o casal na mansão herdada. A população local é cada vez mais esquisita e a busca de Judith por compreender seu passado só resulta em mais e mais perturbação. O longa não sabe muito bem o que fazer além de focar no quão estranho tudo é e forçar essa influência da tradição do vilarejo na vida da muito contrariada protagonista, começando por seu útero. O horror, em geral, muitas vezes se vale dos corpos femininos invadidos como ferramenta, e Andreas Prochaska usa isso de forma bastante inconsistente e infundamentada para puramente empurrar Judith contra seus próprios desejos e decisões.


A gravidez é um dos maiores artifícios, e uma referência a clássicos do horror, que literalmente obriga a mulher a gestar uma criança que nunca quis, em prol das maluquices locais. Essas, inclusive, nunca ficam claras, parece que Prochaska acha suficiente que todos sejam bizarros e tudo seja muito obscuro e confuso. O filme segue enfiando goela abaixo de Judith tudo que ela não quer, permanecer ali, gestar e enfim, parir em um ritual tradicional e sombrio. Mais uma vez, não fica claro o que aquela seita quer com o bebê, ou com Judith, muito menos o que aconteceu com sua mãe no passado, que aparentemente enfrentou a mesma coisa. O falecido pai, que motiva tudo, mal é citado depois, sua existência é nula e desperdiçada depois de ser trabalhada o suficiente para atrair a personagem ao local e a manter algum tempo.


Então Welcome Home Baby pode até ter alguns exercícios estilísticos interessantes, seu visual, a relação com a floresta, e como algumas imagens lidam com a bizarrice de tudo, são provavelmente o ponto alto. No entanto, a narrativa é deveras fraca e sem estrutura. Por mais que uma história de seita, com um vilarejo sem lei perdido no mundo, possa instigar o suficiente, como fazem centenas de outros filmes de terror, Prochaska não tem capacidade de evoluir a trama ou a sustentar, porque falta o básico a ela. Só forçar sua protagonista a sofrer todo tipo de violência e invadir seu corpo, não justifica muita coisa, só torna o processo irritante. Até como exercício simples de horror, Judith só tem a chance uma vez de tomar uma decisão idiota que a impede de fugir, no resto do tempo ela só fica sendo obrigada a seguir uma lógica que não tem fundamento dentro do longa, que só existe porque sim. 


Sobram lacunas em Welcome Home Baby que poderiam tornar o filme mais encorpado, já que a estética é bem chamativa e as cenas, até mais abstratas, captam uma atmosfera interessante de fantasia. Porém, sem nada que as sustente, não há muito o que se fazer. Acaba que Judith é usada por Prochaska e até mesmo a visceralidade que a cena de parto no início do filme evoca é perdida, pois o nascimento de sua bebê é vinculado a algo mais sublime, de uma força natural interna que vence o mal, o que parece de péssimo gosto para uma situação forçada. 


Talvez o embate entre o contemporâneo, a vida da mulher independente que toma suas próprias escolhas, com o antigo e tradicional, que impõe uma vida protocolar a ela, se fosse melhor elaborado na narrativa, traria resultados bem mais satisfatórios. Mas, parece que o que fica ao final é justamente a vitória da imposição, de uma violência contra um corpo feminino. 



 

Nota da crítica:

2/5


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