Maja Tschumi investiga a luta da nova geração no Iraque pegando emprestadas suas vivências e as retratando em uma atmosfera melodramática
A guerra do Iraque é para a maioria dos jovens adultos de hoje uma das memórias mais fortes de grandes conflitos, se iniciando no começo dos anos 2000. Entre ocupações e revoluções, as gerações que nasceram dentro desse contexto vivem em uma espiral, na instabilidade de influências e controles externos, religiosos e radicais. É nesse recorte, a partir da Revolução de Outubro de 2019, que Maja Tschumi - cineasta Suíça - pega emprestadas as vivências de dois jovens de 20 e poucos anos, Milo, uma mulher que sofre grandes opressões dentro de casa, principalmente por parte do pai, e acaba encontrando segurança nas escapadas ao se vestir como um homem, e Khalili, um rapaz que usa suas câmeras para documentar as revoltas, se enfiando em todos os perigos dos conflitos com suas lentes como armas e escudos. A revolução que ocorre nas vésperas da pandemia acaba levando muitos jovens ao isolamento com suas famílias, os afastando dos protestos, mas ao longo dos anos a instabilidade volta a crescer junto com a violência e uma ameaça de piora na situação do Iraque, e assim, muitos jovens começam a buscar a opção de criar passaportes para fugir do país. Immortals avisa em seu início que devido a muitos fatores, algumas cenas serão recriadas, encenadas, mas o documentário se apropria de uma forma tão dramática para contar sua história que é difícil enxergar em que momentos isso ocorre exatamente. Nas cenas filmadas por Khalili durante a revolução, é possível sentir uma força pulsante do povo, momentos como esses e na praça que se torna a representação de sociedade que esses jovens buscam, parecem deixar de lado qualquer intenção narrativa mais carregada para deixar que as próprias ruas de Bagdá e suas pessoas ganhem a tela.
Na praça Tahrir se vê uma efervescência cultural, o cinema está em uma das tendas como ferramenta de cultura e de política, ao lado da música e outras manifestações artísticas e auxílios de saúde. Nas ruas durante a revolução, Khalili opera sua câmera sem parar, mesmo quando se fere, em uma busca incessante por retratar os acontecimentos. Essa sede da juventude domina esses momentos e o rapaz se torna uma representação de toda uma geração engolida por crises que vieram antes deles e uma guerra sem sentido. Até o fim, Khalili, mesmo tendo sua vida de certa forma domada, terá sua inquietude provocada por novas ameaças e protestos, é sua câmera novamente a arma que busca, a tirando de um sono profundo para mais uma vez a levar para as ruas. Para Milo as questões de gênero parecem mais pungentes, o pai que aprisiona, queima suas roupas e documentos, se torna uma representação de todo um estado de opressão e o receio por uma piora política e ideológica a empurra sempre para escapar do Iraque, mesmo que seja obrigada a fazer isso sozinha. Ambos participaram da elaboração do texto do filme com Maja, e é possível sentir como suas visões colaboram para o sentimento que Immortals passa em cada capítulo, há uma desesperança gritante nesses jovens, as instabilidades que sempre permearam suas vidas parecem desencadear sempre lutas que não chegam a lugar nenhum, é uma geração que tem voz e quer ser ouvida mas parece cansada de tentar, sempre em conflito direto com as outras gerações, suas ideologias e com as interferências externas.
A dramatização excessiva que Maja Tschumi emprega quase faz seu filme beirar a ficção, são os momentos mais autênticos que liberam os sentimentos dos jovens, suas revoltas nas ruas e suas representações culturais e artísticas que parecem dar mais vida à história que aqui é colocada em dois protagonistas, mas reflete toda uma parcela da população. Quando centraliza e emprega uma atmosfera mais carregada e melodramática, Immortals apela para uma conexão maior com seu público, pedindo atenção para o que acontece em tela, enquanto tudo que contém nas vivências de Milo e Khalili, já bem contextualizadas pelo filme, são suficientemente potentes. Existe algo muito verdadeiro que o cinema já consegue captar por meio das experiências de ambos e das pessoas ao seu redor, a urgência, a insegurança e o receio do que está por vir, sentimentos que diversos lugares no mundo hoje partilham com suas gerações mais novas enfrentando ondas de conservadorismo e de extrema direita se levantando, recessões econômicas e instabilidades políticas.
Ao colocar essas pessoas não apenas como objeto mas também parte do filme, Maja dá foco a um registro histórico de um lugar devastado, sem base para se reerguer, se é que um dia esteve de pé, e talvez suas intenções cinematográficas estejam muito alinhadas com esse objetivo, de jogar essa luz, dando voz a esses jovens, tentando conquistar mais o público. Mas pode ser também seu olhar estrangeiro que afeta a visão, fato é que a dramatização que leva o documentário para um espectro do melodrama, não prejudica tanto seu todo, mas são certamente suas partes mais viscerais, que deixam as ruas dominarem, que carregam a maior potência.
Esse texto faz parte da cobertura da CPH:DOX Copenhagen International Documentary Film Festival 2024
Nota da crítica:
Comments