Investigando um golpe que atingiu milhões de pessoas, Baar Tyrmi traz informações relevantes mas ilustra pobremente suas ideias
Uma década no passado o bitcoin e as criptomoedas pareciam uma ótima ideia e com isso, milhares de esquemas foram criados em diversos lugares do mundo para enganar pessoas com pouco conhecimento que queriam surfar nessa onda de investimentos. Se você, assim como eu, nunca entendeu muito bem o que é blockchain, ou nunca foi atrás de compreender os conceitos por trás dessas moedas virtuais, o didatismo de Lie To Me certamente será interessante nesse ponto. Isso porque muitas pessoas buscam em vídeos no youtube, por exemplo, algo audiovisual para aprender sobre certos conceitos ao invés de ler alguns textos sobre o tema e é exatamente isso que esse filme é, um grande vídeo com algumas entrevistas importantes. Parece surreal nunca ter ouvido falar de um golpe tão grande como esse da OneCoin e sua Cryptoqueen, basta jogar a palavra no google e em segundos o nome de Ruja Ignatova aparece como única correspondência possível, mas até o documentário Norueguês chegar em mim, essa história mirabolante nunca tinha entrado no meu radar. É de certa forma fascinante entrar nesse mundo e ver a seita que Ruja criou com seus cúmplices, transformando sua criptomoeda em algo muito maior do que um investimento, mas um estilo de vida, capturado nas imagens de arquivo usadas pelo filme para exibir as multidões que se juntavam nos eventos da empresa.
O problema é que entre esses registros emprestados e entrevistas com Bjorn Bjercke, o homem que expôs a fraude para o mundo, o filme poderia seguir diversos caminhos para ilustrar suas ideias e a história que está sendo contada. Quando um diretor não possui imagens próprias dos acontecimentos pode trabalhar com depoimentos, imagens de arquivo ou até tentar encenar algumas coisas, são diversas opções quando pensamos em documentários que remontam casos reais, mas Baar Tyrmi escolhe um formato bastante engessado com narração e entrevistas de forma linear, nada muito diferente do básico, e acrescenta imagens aleatórias para ilustrar seus pensamentos, como cenas de filmes, recortes de desenhos animados ou qualquer outro elemento que não tem nenhuma ligação com o universo do filme. Quando o escândalo é exposto, uma imagem de bomba nuclear, quando o cerco se fecha, imagens de pessoas correndo, associações quase básicas da semiótica mas que às vezes também parecem inseridas ao acaso, sem muito sentido. Essa linguagem que Tyrmi cria para tentar se aproximar desse papo digital e moderno se assemelha a um vídeo de youtube que usa narração para explicar ou falar sobre algum assunto, enquanto cria na montagem algo visual com imagens totalmente aleatórias, ou de elementos da cultura pop ou de signos comuns que se liguem aos sentimentos e sentidos do texto.
Então, ao invés de deixar, por exemplo, seus entrevistados em tela falando sobre o que sabem de toda essa loucura - e Lie To Me recebe de investidores a especialistas da área, uma gama grande de pontos de vista - ou deixar as imagens de arquivo também por mais tempo, o longa insere esses pedaços de vídeos, filmes e afins em sua montagem, quase como um recurso para acelerar seu ritmo, garantido que a atenção daqueles espectadores mais dispersos não se perca e também para preencher o que acredita não ter material suficiente para mostrar. Parece um misto de acreditar que planos maiores podem se tornar entediantes com uma falta de confiança em sua narrativa para manter o público engajado por míseros 90 minutos. É uma estratégia que empobrece muito o filme, podendo funcionar até de forma oposta, mas que em geral pode se encaixar muito bem como um documentário informativo da Netflix. Ocorre que essa miscelânia visual torna o olhar para tela quase desnecessário, já que o texto está sendo ilustrado com coisas que não acrescentam muito, e às vezes nada, à história contada, então fica fácil se comunicar com o espectador ansioso já tão moldado pelas lógicas aceleradas das redes sociais e streamings, que pode assistir o filme enquanto alguém realmente aparece dizendo ou fazendo algo e focar em outras coisas enquanto um personagem de desenho animado engole um bolo enorme ou um menino e um homem em preto e branco brincam de lutinha. É clara uma intenção até de brincar com gêneros do cinema, pela trilha sonora e tom que tenta se criar entre cenas, mas as referências da obra caem puramente em uma estética de rede social.
É engraçado observar como existem coisas inexploradas em Lie To Me, como a vaidade como um tema central. Todos os personagens envolvidos compartilham essa característica e inclusive parecem participar das filmagens unicamente para alimento de seus egos, isso passa não somente por esses objetos voluntariamente retratados em tela como também os protagonistas do golpe, todos são humanos vaidosos e egocêntricos, o que fica bastante exposto em vários momentos do filme, mas que é pouco elaborado narrativamente. Talvez a necessidade de contar os fatos basicamente buscando uma forma atraente de prender a atenção tenha tirado de Baar Tyrmi o potencial criativo de entrar em detalhes mais complexos de sua trama e produzir um filme melhor.
Esse texto faz parte da cobertura da CPH:DOX Copenhagen International Documentary Film Festival 2024
Nota da crítica:
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