A dupla de cineastas Juru e Vitã acessa o universo do ballroom falando sua própria língua com apoio de uma fotografia que faz cada corpo e espaço brilhar à sua maneira
A cultura do ballroom ficou conhecida no audiovisual principalmente por duas obras marcantes, Paris Is Burning (1990) que contextualiza historicamente o movimento e suas origens e a série Pose (2018) que uma das personagens de Salão de Baile (This is Ballroom) pontua como uma romantização desse mundo. É claro que é impossível esquecer todas as influências que também são vistas em Drag Race, o reality de RuPaul que traz as categorias competitivas e todo vocabulário dos bailes. Mas até aí, para uma cultura nascida nos Estados Unidos, é esse o recorte mais conhecido e retratado largamente na mídia, o que Juru e Vitã fazem é levar as câmeras para dentro dos salões de baile Brasileiros, mostrando como o ballroom se adaptou ao nosso país, principalmente ao Rio de Janeiro contemporâneo. Dos anos 80 pra cá muita coisa mudou, outras formas de existência foram ganhando espaço, mais pessoas tiveram a oportunidade de se compreenderem dentro de suas sexualidades e gêneros e a sigla LGBTQIA+ cresceu, então o documentário não busca apenas explorar como esse cenário se dá em outro país, mas também, como ele aceita ou não todas essas mudanças. A forma como isso é feito só poderia ser acessada por pessoas que conhecem aquele universo em sua intimidade, falando sua própria língua e transitando com suas lentes como grandes conhecidas, nunca como observadores estranhos que analisam os espaços cuidadosamente.
A fotografia é importantíssima para a valorização dos corpos e da cultura dos bailes, o filme consegue criar essa unidade em que suas imagens engrandecem pessoas, suas roupas, a cor de suas peles e seus movimentos, por mais rápidos que possam ser muitas vezes em suas apresentações, junto à importância dos depoimentos de quem vive tudo isso. Seja quando batalham na pista ou dão entrevistas, cada personagem brilha em tela, preenche e cresce enquanto conta sua história. Em Salão de Baile, esse contar não é apenas verbal, mas também pela manifestação artística de seus corpos e, aos poucos, o espectador é levado por essa energia marcada pela batida da música que quase dita a montagem, construindo todo o longa como um grande Ballroom. De início, a cultura se alinha com suas origens mais humanas, de pessoas que escolhem suas famílias e formam comunidades de acolhimento enquanto tudo parece ser uma grande festa, um local onde cada um é aceito à sua maneira, mas, não sendo nem de longe exclusividade brasileira, essa realidade se revela também cheia de preconceitos internos e picuinhas. A não-binariedade ou questões de performar masculinidade, por exemplo, se mostram obstáculos nas competições, o espaço está aberto, mas será que os salões de baile que nasceram como uma cultura negra de drags e travestis em Nova York conseguem se adaptar ao mundo de hoje do Rio de Janeiro? A resposta que parece se formar enquanto conhecemos cada casa é que o ballroom não é pra todos, é preciso desbravar esse mundo e o conquistar, ultrapassando cada chop e shade, para ocupar o seu lugar.
Salão de Baile mostra com fascínio cada detalhe, das melhores coisas até as maiores brigas que temos acesso dentro da janela do filme, construindo a atmosfera de uma grande comunidade que tem seu próprio vocabulário, processos e formas de funcionar como uma sociedade. Dentro do ballroom as pessoas que não encontram acolhimento do lado de fora, podem buscar formas de se expressar e se conhecer melhor, fazer parte de uma família e conquistar espaços. Os prêmios são grandes reconhecimentos e até os cortes são construtivos, cada um é professor e aprendiz simultaneamente, e mesmo pessoas muito jovens já são “mães”, é como se o mundo de fora não existisse, ao menos nunca no documentário, enquanto as luzes coloridas brilham e a batida toca, o que existe além fica esquecido completamente para que o baile se destaque em todo seu esplendor e cresça na frente dos nossos olhos.
Esse texto faz parte da cobertura da CPH:DOX Copenhagen International Documentary Film Festival 2024
Nota da crítica:
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