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Foto do escritorRaissa Ferreira

Crítica - O Clube das Mulheres de Negócios (2024)

A inversão simplista e caricata de Anna Muylaert decepciona pela incapacidade de propor algo substancial em sua fraca crítica à sociedade comandada pelos homens

O Clube das Mulheres de Negócios

Primeiro, o que parece positivo em uma impressão inicial do novo longa de Anna Muylaert, diretora importantíssima do cinema brasileiro, com ótimos trabalhos, são as cores bem saturadas, uma atmosfera solar que, embora situe sua narrativa em São Paulo, recorta a metrópole de forma a abrir um buraco de verde e natureza no espaço cinza ao qual estamos habituados. Muito se fala atualmente de como o realismo no cinema busca um caminho menos saturado, assim, tanto em cenário quanto na caracterização de suas personagens, O Clube das Mulheres de Negócios é interessantemente colorido, porém, esse esforço talvez caminhe ao lado de sua proposta fantasiosa, já que quanto mais avança, mas soa caricato e raso, deixando até mesmo sua estética plástica mais superficial e pouco integrada a um todo que não dá liga. O que Muylaert pretende com seu longa não é imaginar como seria o mundo se as mulheres estivessem acima dos homens, invertendo o patriarcado, e, sim, construir uma sátira controlada em espaço e tempo, que coloca as personagens femininas no mesmíssimo papel que os masculinos estariam. Não há uma crítica social que pense essa mudança de gênero como ponto de partida de outras construções, ela se limita a ilustrar o machismo em corpos de mulheres para que a pessoa espectadora veja situações exatamente como existem, só que em outra roupagem. Assim, Katiuscia Canoro é uma Bolsonara que pega em armas, Irene Ravache deprime seu marido por ter amantes, Grace Gianoukas assedia sexualmente homens mais jovens e por aí vai. Os papeis são exatamente os mesmos, em estereótipos até bem simplistas, representados a partir do gênero comumente oprimido para talvez extrair uma reflexão muito batida e rasa de que o machismo é ruim, a sociedade patriarcal é terrível, violenta e irracional. Não bastasse essa estrutura precária, o texto ainda faz questão de ser didático, assim como as imagens eventualmente se tornam, deixando tudo ainda mais pobre e ultrapassado demais para o momento que vivemos.


Existe uma nuance em trabalhos anteriores de Muylaert que dão uma pista do que a diretora possivelmente gostaria de ter feito em O Clube das Mulheres de Negócios, a forma como ela equilibra o humor e o sombrio em Durval Discos, por exemplo, ou até mesmo em É Proibido Fumar, filmes em que a morte está virando a esquina enquanto quem assiste caminha rindo de cada absurdo apresentado. A comédia em seu filme mais recente, no entanto, existe por conta de uma sátira tão sem substância que toda sua narrativa acaba perdendo a chance de trazer o impacto sombrio, é uma ridicularização que faz que a própria obra seja o ridículo motivo de riso, e, assim, não há espaço para trabalhar a crítica pouco efetiva que gostaria. Abre-se uma exceção, o momento em que a poderosa personagem de Grace Gianoukas assedia o jornalista influencer vivido por Rafael Vitti, com os seios muito próximos do rosto do rapaz, a entonação de voz e a encenação conferem à cena a nuance que todo o restante é incapaz de extrair, algo entre o horror denso do poder exercido, em que a inversão bastante simplista dos gêneros engata momentaneamente para ilustrar um absurdo comum com os mesmos pesos e medidas, e o humor que vem naturalmente por como a mulher se comporta e fala, quase removendo um pouco a pressão. Seria impossível a obra inteira funcionar nessa base porque, como já foi dito, é uma proposta muito rasa que não sustentaria mais do que algumas cenas, mas se tem um recorte que é capaz de imprimir o efeito que toda a narrativa gostaria de ter, é esse.


Para esse olhar do mundo como ele é, mas como seria se ao invés de “caralho” gritássemos “buceta”, O Clube das Mulheres de Negócios talvez até compreenda quão limitado é, e, por isso, controla seu tempo em apenas um dia de causas e consequências e seu espaço no ambiente do clube, que, ainda que seja enorme e bastante aberto, é um pedaço muito pequeno quando se pensa que a crítica seria acerca de toda uma sociedade. Mais curioso ainda é a utilização das onças, que também parece vir do mesmo lugar do humor absurdo de outros trabalhos da diretora, mas é empregado de forma bem esquisita. Todos os problemas provém do mesmo lugar, mesmo que essas mulheres estejam sempre fazendo coisas erradas, malas de dinheiro, acusações de corrupção, assédio, intervenções políticas e religiosas, entre outros tantos assuntos abordados pelas caricaturas da contemporaneidade conservadora do Brasil de hoje, nada daria errado durante o dia que preenche essa história, não fosse a jaula aberta das onças. O trabalho dos jornalistas, por exemplo, guiado pelo personagem de Luis Miranda, que deveria ir por um caminho mais agressivo investigativo, não leva a nada além de constantemente rondar o perigo dos animais selvagens soltos pelo clube. Elas mesmas matam as poderosas e facilitam a fuga dos homens oprimidos, causam os problemas e soluções, o restante é observação tola de um microcosmo caricatamente patético. Como se não pudesse ser ainda mais absurdo ver uma cineasta tão talentosa apresentando uma obra bem aquém de seu talento, o filme ainda vê necessidade de ilustrar mais abertamente o que quer dizer, explicitando o sangue derramado por ganância e corrupção com as onças das cédulas em paralelo às digitalmente inseridas nas cenas, e, pior ainda, exibindo seus personagens masculinos transformados em jovens mulheres. Não há muito o que se pensar, O Clube das Mulheres de Negócios é uma mensagem pouco substancial que já vem mastigada e é totalmente inofensiva enquanto crítica, se tornando a própria piada.


 

Nota da crítica:

2/5


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