top of page
Foto do escritorRaissa Ferreira

Crítica - A Garota da Vez (2023)

Estreia de Anna Kendrick na direção se perde na falta de foco, mas mostra um bom trabalho na composição da tensão e expectativa de sobrevivência

Crítica A Garota da Vez

Pelo cartaz original do filme, sua versão brasileira, seu título e toda publicidade que cerca a obra, há de se esperar que o protagonismo de A Garota da Vez seja de Anna Kendrick, mas em algum momento próximo do final, quando surge um buraco na falta de conexão entre as tramas, se torna questionável sua necessidade de se colocar tanto na narrativa. Existem ao menos dois filmes aqui, possivelmente até um terceiro, mas as duas principais linhas que o roteiro baseado em fatos reais de Ian McDonald vai seguir são: uma história de serial killer, acompanhando seu jeito de operar, a semelhança entre vítimas e crimes, seu charme com as mulheres e a tensão nas tentativas de sobrevivência, e a outra é a jornada de uma aspirante a atriz que vai parar em um programa de auditório em que um dos participantes se revela perigoso, enquanto outra personagem serve para demonstrar as muitas denúncias ignoradas que deixaram esse homem escapar. É curioso que ambas funcionam bem, mas falham ao se conectarem. Kendrick enxerga no programa de namoros a chance de fazer algo diferente na abordagem das histórias de serial killer e também a oportunidade de mostrar seu melhor lado enquanto atriz. Sheryl talvez tenha sido montada para a necessidade da diretora de estrelar seu próprio filme, evitando o protagonismo masculino vilanesco, pontuando comentários sobre nudez (algo que de fato não me recordo de Kendrick já ter feito, sempre longe da sensualidade em seus papéis), e ressaltando a comédia, ponto forte da artista. Do outro lado, ela explora essa ameaça do homem na sociedade enquanto mulheres são vastamente desacreditadas. Mas o que faz Sheryl protagonista sendo que sua jornada nunca se liga ao desenvolvimento desse assassino, e o que faz o programa tão importante a ponto de tomar quase toda a duração do longa, sendo que seu objetivo parece outro? Fica difícil compreender. 


Há grande competência em sustentar esse programa de forma divertida, ridicularizando os homens e o machismo, em contraste com a angústia e o perigo do que se sabe verdadeiramente de Rodney (Daniel Zovatto), mas quando esse foco se encerra, o filme volta a ser apenas sobre o serial killer sem que faça algum sentido toda a dedicação no protagonismo de Sheryl e o centro no Dating Game. A alternância entre o palco televisivo, a personagem que quer denunciar o assassino e os muitos crimes cometidos entre passado e futuro, constroem uma expectativa de que tudo isso se amarrará de forma mais impactante. O que ocorre, de fato, são justificativas desestruturadas que se pautam pura e simplesmente na adaptação da realidade. Rodney de fato existiu, foi denunciado muitas vezes e demorou a ser capturado, o que vitimou mais mulheres no processo. Para A Garota da Vez é fundamental que isso seja sentido e, então, os muitos crimes retratados com rótulos de anos se bagunçam em meio a essa trama bifurcada, enquanto Sheryl parece ser mais relevante do que de fato é. Toda sua contextualização e textos finais acerca de seu destino ficam soltos, assim como a personagem que reconhece o assassino tem toda uma família, um conflito com o namorado e história de fundo para apenas servir a um único propósito e nunca parecer de fato pertencente ao que importa na narrativa. Assim, o objetivo confuso prejudica que o longa consiga se comunicar de forma coerente, mesmo que isoladamente as coisas funcionem bem.


A tensão construída sempre que Rodney está perto de uma mulher, como ele vai de charmoso e sedutor, o único que as enxerga, a uma figura ameaçadora, a expectativa gritante por sobrevivência que só encontra sucesso com Sheryl e a jovem menina que causa sua captura, fazem um bom trabalho em ilustrar mulheres como vítimas principalmente de um sistema que as abandona. Seja por companheiros ou familiares, por autoridades que não as escutam ou pessoas que fracassam em as proteger. Enquanto isso, mostra como homens conseguem se livrar de tudo se tiverem um bom papo e carisma suficiente. Mesmo que todos achem o fotógrafo estranho, ninguém age até que existam de fato inúmeras vítimas e provas para o manter encarcerado. Do outro lado, é notável como Kendrick segura bem a onda de prolongar um programa simples de auditório por tanto tempo em seu filme, prendendo a atenção, bem melhor do que o recente Entrevista Com o Demônio tenta fazer. E, nesse ponto, também capta uma expectativa por meio da protagonista e da outra personagem, o problema é que essa é furada e acaba sem um desfecho coerente, justamente por parecer um foco que deu errado. Mesmo assim, tem uma das cenas mais angustiantes do longa, em que Sheryl escapa do assassino em um estacionamento vazio, uma pena que o que vem depois larga a protagonista flutuando enquanto o filme tenta explicar o que aconteceu com Rodney, muito preso aos fatos reais. 


Talvez Kendrick se saia muito bem dirigindo filmes de suspense e continue fazendo bons papéis de comédia, mas a necessidade de unir os dois sem levar em consideração qual era seu real foco no todo do filme, prejudicou A Garota da Vez, ainda que tenha seus fatores interessantes.


Filme assistido a convite de Diamond Filmes e Sinny Comunicação A Garota da Vez chega aos cinemas brasileiros no dia 10 de Outubro


 

Nota da crítica:

3/5


autor

Comments


bottom of page