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Foto do escritorRaissa Ferreira

Crítica - A Verdadeira Dor (A Real Pain)

Em um embate emocional de personalidades, Jesse Eisenberg cria e observa seu oposto narrativo para discutir as formas de sentir

crítica A Verdadeira Dor (A Real Pain)

Com dois personagens opostos na forma de lidar com suas emoções e bem frontal com sua proposta justamente de expor e confrontar essas personalidades, questionando o próprio sentir humano da dor, Jesse Eisenberg dá a si mesmo o papel de protagonista em um filme que, assim como é na história que conta, mais parece um observador do verdadeiro destaque. Isso porque Benji, vivido por Kieran Culkin (que ainda está muito próximo de sua atuação em Succession, se é que essa não é sua performance habitual), rouba a cena em diversos sentidos. A Verdadeira Dor (A Real Pain) tem como cenário um tema largamente usado no cinema e, embora este sirva de justificativa para tornar a obra mais “séria” ou “relevante” a certos olhos, o foco na relação dos primos é suficientemente interessante independente de suas origens. Fosse outro o plano de fundo - o que não nos cabe imaginar de qualquer forma -, certamente a dinâmica e problemáticas desenhadas a partir do encontro emocional entre David (Jesse Eisenberg) e Benji não seriam diferentes. No entanto, tratando-se do eterno luto pelo holacausto, Eisenberg se esforça para dar a devida atenção e seriedade, histórica e sensível, sempre aliviando a tensão com sua comédia, lidando com a narrativa da mesma forma que o roteiro elabora a personalidade do primo complexo, alguém que testa os limites e vai até eles para, ao mesmo tempo, liberar a pressão. Enquanto David é contido, com dificuldades sociais e transtornos controlados, Benji é expansivo e intenso, sendo esses opostos usados pelo filme para refletir o sentir da dor em suas nuances, se é mais verdadeiro gritar e expor cada pontinha ou lidar de forma mais calada, em seu interior. Na verdade, não é que A Verdadeira Dor queira dar essa resposta, mas justamente olhar o que existe no meio, o confronto entre o 8 e o 80 que faz ambos tanto se completarem quanto se repelirem. Assim, acompanhar o olhar de David impede que Benji seja totalmente compreendido, limitando essa relação da pessoa espectadora exatamente à forma como o primo enxerga esse homem solitário em meio a tanta atenção, que sente e faz questão de demonstrar tudo.


A oposição é aplicada também em suas caracterizações, que exploram um primo mais ordenado, dos cabelos às roupas e malas, e outro descabelado e desordenado, reflexos visuais de seus interiores. Mesmo que Benji seja o personagem mais interessante para quem assiste, assim como é a pessoa mais intrigante para aqueles que participam da narrativa, o longa delimita sua observação de maneira que ele permaneça um mistério. A imagem desse homem é conectada pelo começo e fim da obra a um aeroporto, um não-lugar, uma construção que significa tanto transição quanto a falta de pertencimento. Sua casa, relações, trabalhos e rotina são excluídos da história para que apenas esse recorte entre ponto de partida e jornada ancestral sejam seus cenários. Já para David, as raízes são ilustradas, assim como sua ansiedade é o que inicia a trama, fazendo questão de ambientar o personagem e explicar sua personalidade. Então, tudo em Benji acaba sendo surpresa, suas reações além de serem extremamente inesperadas em muitos momentos, também são impactantes pela falta de intimidade construída com o personagem. Se seu primo demonstra exaustão, até deixa bem claro em uma cena de monólogo típica da temporada de premiações, isso denota que, mesmo em seus excessos, Benji age exatamente como David o conhece, enquanto os outros observadores, dentro e fora da obra, vão do espanto cômico até uma gradual empatia e compaixão que vê a melancolia além de suas excentricidades. Fica óbvio que qualquer uma dessas reações causa algum desconforto, e até mesmo inveja, em David que, por lidar com tudo internamente, não causa o mesmo efeito nos outros.


Benji é, portanto, tanto aquilo que David detesta quanto tudo que ele gostaria de ser. O não-lugar atrelado à imagem do primo caótico é a representação de um deslocamento enquanto o narrador tem destino certo com sua família, no entanto, há em tudo que sobra e falta no outro, em equilíbrio escondido. Enquanto Benji se mostra tantas vezes alguém que não se esforça, simplesmente é e, inevitavelmente, sofre com isso, David tenta muito e, ainda assim, sofre com o que não consegue ser. Ao colocar os primos em conflito, A Verdadeira Dor constantemente busca o alívio pela comédia, enquanto a melancolia escorre pelos cantos, no fundo, todos são um tanto tristes, só muda como cada um responde a isso. É bem controlado nesse esforço, permitindo que tanto Eisenberg quanto Culkin possam se destacar em suas diferentes nuances que parecem realmente encaixes perfeitos aos atores. Porém, certamente o emocional sem freios de Benji e a forma como sua personalidade cativa tanto os outros e ainda assim o torna alguém tão sozinho, faz-se muito mais interessante, obrigatoriamente expondo David e o forçando a ser mais do que uma desculpa para observar esse outro personagem com a distância necessária que impede um mergulho mais profundo do longa em uma escuridão muito menos engraçada.



 

Nota da crítica:

3.5/5


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