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Foto do escritorRaissa Ferreira

Crítica - Megalópolis (2024)

Manipulando o tempo e pedindo espaço para os sonhos, Francis Ford Coppola projeta um futuro otimista para o cinema e a sociedade, a partir da utopia

Megalópolis Crítica

Em dado momento de sua conversa em São Paulo, Francis Ford Coppola disse que Megalópolis era seu momento de encontrar o próprio estilo, construir sua própria história ao invés de pegar alguma emprestada. Mais do que isso, sua fábula narrada por Laurence Fishburne carrega uma relação fundamental com o tempo, de um criador que não se enxerga mais aceito pela indústria de Hollywood, um artista de 85 anos com um vasto passado que agora quer construir o futuro. Não à toa, é seu dinheiro que entra em jogo para levantar o império romano dourado de Nova York Nova Roma, uma ideia megalomaníaca para um filme grandioso que não tem nenhum medo de arriscar, algo que é refrescante de se ver nascendo e também, que só se pode esperar de um cineasta com esse porte e história. Cesar Catilina (Adam Driver) o artista genial, brinca com o tempo, primeiro por trabalhar com a arte, algo que Coppola compreende muito bem, já que o cinema tem esse poder de imortalizar imagens, depois pelo amor, nesse lado romântico clichê e, ao fim, pela formação de família, o teste definitivo contra o tempo que é, por alguns pensamentos e crenças, ter filhos, dar continuidade à humanidade e a si mesmo. Essas ideias são a alma do filme que também vai brincar entre passado e futuro usando um espelho do império romano para ilustrar uma selvageria social de poucos, que se divertem em bacanais enquanto outros passam fome, em uma estética tão dourada que nem mesmo o vinho é tinto. O atestado definitivo que Coppola deixa com Megalópolis é que é preciso sonhar, seja em uma sociedade em colapso que busca soluções na utopia imaterial, mas, principalmente, em um cinema que perdeu essa capacidade, tanto que seu mundo imaginado parece ousado até demais para a maioria dos que vem o encarando. Se Julia (Nathalie Emmanuel), em dado momento, fecha os olhos para poder ver a ideia da cidade de Cesar, é porque a imaginação funciona melhor em nossas mentes, mas a sétima arte existe justamente para fabricar e projetar fantasias para que todos assistam de olhos abertos. 


Coppola partilhou que Megalópolis é uma obra que contém muito de sua filmografia mas também de referências de toda sua vida, a que me pareceu mais peculiar foi Branca de Neve (1937) e, de fato, está lá. Sunny, a esposa falecida, é como a princesa da Disney, de pele muito clara e morre com alguma alusão a um veneno. Seu corpo deitado remete diretamente à animação que coloca a protagonista em caixão de vidro após comer a maçã envenenada. Este é apenas um exemplo, são muitas as referências, diretas ou influências narrativas, como os jogos de poder entre famílias, o romance em meio à fantasia e afins, de Shakespeare a seus próprios filmes. Coppola é muito literal e faz uma sátira com um humor que às vezes é bastante ingênuo mas sempre muito direto. Sua análise da América (e digo assim pois é o retrato desse ego patriótico que só a enxerga a si no mundo, de fato) em colapso, desenhando uma política que flerta fortemente com o fascismo, toda pautada em Clodio (Shia LaBeouf) como esse espelho dos líderes de extrema direita, rejeita metáforas, assim como todo o longa, é óbvio e descarado em tudo o que quer dizer. O criador que já tanto viveu, ainda quer imaginar o futuro, colocando seu protagonista como um arquiteto que enxerga na utopia, longe da materialidade, a escapatória para construir uma sociedade melhor, em que todos vivem e evoluem juntos. A solução para o mundo, assim como a salvação para o cinema do futuro, é aprender a sonhar. Ironicamente, as pessoas, muito cegas por uma realidade opressiva e cinza que lhes é imposta, não compram a ideia de Cesar pela própria experiência que é estar em Megalópolis, mas por seu discurso. Só após um grande texto é que elas compreendem a beleza daquele lugar. Coppola já se vê incompreendido com sua empreitada, mas não vê problema nenhum nisso, já que sua obra é um registro eterno a ser visto em qualquer período do tempo.


Em sua sátira muito direta até mesmo as artistas do pop não escapam, na representação da virgem Vesta que, quando desmascarada após um episódio envolvendo manipulação de imagens (um grande medo moderno), ressignifica sua carreira aceitando o cancelamento. O contemporâneo e o passado se misturam em um tempo que é o presente embalado na fantasia, um maneirismo que se vê em O Fundo do Coração mas levado ao extremo, com um autor que aumenta a aposta sem medo nenhum de estar se arriscando demais. Se a crise pede espaço para sonhar, que melhor lugar para fazer isso do que o cinema? Coppola nunca esteve tão livre para brincar com suas imagens, talvez porque, justamente, tenha atingido esse ponto da carreira em que pouco há o que se perder além do dinheiro, sendo que a indústria já o rejeita em muitas formas e o público se divide e se dividirá muito certamente nessa recepção, é o momento não somente de criar com ousadia, mas também de desafiar a pessoa espectadora e sua imaginação a saírem do que lhes é proposto todos os dias como certo e aceitável dentro de uma padronização de gosto no audiovisual. No sentido mais literal de sua mensagem final, esse cineasta já compreendeu bastante como parar o tempo, deixando suas obras, mas, também, uma cineasta que é sua continuidade, certamente não em estilo, mas em nome, o legado familiar da manipulação de tempos em imagens. Vê-se muito otimismo em Megalópolis, sua sátira é frontal com as problemáticas do mundo, mas ingenuamente positiva nas soluções, como seu próprio autor que parece ter esperanças nos humanos, até demais.

 

Nota da crítica:

4/5


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