Entre referências muito claras do cinema de horror recente e uma busca por agradar o público jovem atual, Spenser Cohen e Anna Halberg chegam a resultado covarde e ameno
Você já viu esse filme antes. Um grupo de jovens é colocado em uma fila imaginária da morte, de uma entidade, uma fita de vídeo ou uma maldição, até de um aplicativo de celular, seja lá o que for, já foi feito. Depois dos anos 2000 e Premonição, o cinema de horror norte-americano reciclou essa fórmula repetidamente, alterando o foco, muitas vezes usando a própria evolução tecnológica e da sociedade como combustível. Um dos maiores motivadores sempre foi a facilidade em estabelecer franquias rentáveis com isso, o que já vinha lá do cinema dos anos 90 em que os jovens eram colocados na mesmíssima lógica, só que com assassinos de carne e osso no centro de tudo, do sucesso comercial de Pânico até as incontáveis sequências de Premonição, muitos filmes tentaram escalar continuações e a maioria fracassou ou chegou apenas até o segundo capítulo e o engraçado é que O Tarô da Morte teria tudo para se tornar uma dessas tentativas de franquias, já estamos atualmente nesse processo com Sorria e até com a A24 e seu Fale Comigo, mas o filme da dupla de cineastas Spenser Cohen e Anna Halberg parece ter desistido no meio do caminho e, agora, se algum milagre financeiro ocorrer, restará ao estúdio alguns malabarismos ridículos para iniciar novamente o que foi encerrado, o que não é difícil e já foi feito muitas vezes. Mas, se eu falo de tantas referências agora é porque essa é a colcha de retalhos que faz O Tarô da Morte, unindo tudo que o cinema de horror - principalmente estadunidense - fez a partir dos anos 2000 com uma oportunidade comercial de falar sobre algo muito atual, a astrologia e os signos, em uma linguagem bastante amena e otimista, tudo que um público jovem que quer ser pouco desafiado e ama enxergar qualquer coisa que já conheça, não odiaria ver.
Estranhamente, os produtos do gênero estabelecidos nessa caixa de horror adolescente norte-americano vem sendo tão fracos que a obra de Cohen e Halberg nem soa tão terrível de cara, apenas se encaixa nesse lugar pouco inspirado e também com algo em comum a muitos desses colegas, lapsos mais imaginativos nas cenas que levam às mortes. Pode soar repetitivo citar novamente a franquia chave dos anos 2000, mas é justamente ela que criou uma mística ao redor das cenas de fatalidades de seus personagens e é também a coluna principal em que O Tarô da Morte tenta sustentar sua ideia nada original. Ninguém nunca mais pegou uma estrada sem se lembrar das cenas de Premonição, ou viajou em um avião, foi a um parque de diversões e até mesmo ao dentista sem em algum momento se lembrar que o acaso poderia transformar pequenas situações em uma morte terrível. O cinema de terror ficou marcado e muitos cineastas ainda tentam, na maioria sem sucesso, repetir os feitos estabelecidos nos primeiros filmes da franquia. Ocorre que aqui, existe sim alguma vontade de criar algo interessante a partir das imagens, a maldição lida nas cartas se traduz na construção das cenas, isolando seus personagens e colocando as ilustrações vivas em ação, não existe um inimigo imaginário ou invisível, ele ganha corpo, mas é também a sucessão de fatos com objetos e cenários que desencadeia a morte, porém, além da fotografia muito escura, Cohen e Halberg se acovardam para encaixarem seu trabalho dentro de uma certa faixa da censura, lapidam a violência e quando ela finalmente ocorre, a escondem completamente. Quando uma das jovens é assassinada pela carta do mágico, por exemplo, toda a composição é interessantíssima, mas a serra que a corta nunca é mostrada, tudo fica limpo, velado, toda tensão criada para enfrentar a morte se perde em um véu que oculta a visceralidade, o horror, o sangue, revelando mais vontade de vender algo do que de fazer terror.
Além do texto terrível que coloca o espectador como se fosse uma criança de 5 anos - também nada novo em como esses filmes operam -, parece que O Tarô da Morte não só precisa repetir e dizer claramente algumas coisas porque quem assiste só pode ser burro ou talvez esteja distraído com outras atividades, como também presumiu que essas pessoas não podem ser chocadas com nada muito violento ou pessimista. A “vilã” é uma entidade com história, nome e rosto, cria-se quase um melodrama ao seu redor porque é necessário para esse filme que seus personagens façam praticamente uma terapia coletiva, os signos os rotulam e estabelecem suas personalidades e sinas, da mesma forma que o tarô é capaz de atravessar barreiras espirituais para construir empatia entre a causadora das mortes e os jovens perseguidos. É no mínimo engraçado e um tanto lamentável que a trama sempre caminhe para esse lugar de que tudo vai ficar bem e pode ser resolvido, até criar uma redenção romântica de um personagem que apenas serviria de motor para as mortes em sequência. Além de ser algo covarde é uma decisão comercial esquisita, que, como dito lá no começo, quebra qualquer possibilidade mais comum de seguir uma franquia.
Cohen e Halberg que também escreveram o filme, parecem ter medo de deixar o espectador assustado, precisam dar todas as certezas de que tudo foi resolvido e não apenas fogem de uma lógica mais interessante do horror, de abraçar soluções fantasiosas que nem sempre funcionam, como também se pautam em diálogos totalmente psicológicos para darem seu desfecho. É como se a protagonista fizesse uma análise com um espírito para que sua alma se libertasse, talvez se houvesse terapia no século em que ela viveu nada disso tivesse acontecido. Essa falta de criatividade busca não apenas nas referências de outros filmes, como também no mundo de hoje, todas as suas ideias, os jovens cada vez mais encontram respostas no horóscopo e na psicologia, então é justamente isso que o filme faz e para não os assustar demais, vem sempre ameno e bem fechado. Não se preocupem crianças, a bruxa má compreendeu seu luto e passa bem, as cartas malvadas queimaram e o único ator que vocês reconhecem dos filmes de herói sobreviveu e continua engraçado, podem dormir tranquilos.
Filme assistido a convite da Sony Pictures
O Tarô da Morte chega aos cinemas brasileiros em 16 de Maio de 2024
Nota da crítica:
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