top of page
Foto do escritorVictor Russo

Crítica - Pisque Duas Vezes (2024)

Em mais um filme sobre despertar, Zöe Kravitz estreia com direção didática e incapaz de lidar com suas referências, mas com uma visão para a composição de planos bastante intrigante

Pisque Duas Vezes Zöe Kravitz

Geralmente a estreia de cineastas é marcada pela inexperiência natural na função, o que pode se apresentar de diversas formas e é bastante diferente entre aqueles que estão vindo da faculdade de cinema e os profissionais da área com anos de carreira. Mais instigante ainda é quando esse estreante é um ator ou atriz, justamente porque são proporcionalmente poucos os que se aventuram por trás das câmeras, menos ainda os que se jogam na nova função sem qualquer vaidade ou pretensão de combiná-la com uma aparição diante das câmeras. Tentar prever o que sairá de um projeto desses é sempre uma brincadeira divertida de especulação, mas que raramente se concretiza como o que soava óbvio. Nesse sentido, alguns casos recentes reforçam essa expectativa e suas possíveis frustrações. Chris Pine, ator experiente e que serviu com seu corpo e talento a diversos ótimos diretores, estreou por trás das câmeras ainda protagonizando o seu péssimo O Cara da Piscina, um neo-noir cheio de referências sem conexão e um desconhecimento gigante de imagem e narrativa. Mais próximo de Pisque Duas Vezes, até em premissa e temática, Olivia Wilde também fez seu primeiro longa como diretora com o fraco Não Se Preocupe, Querida, uma espécie de releitura genérica de The Stepford Wives, que tem a atriz/diretora aparecendo em um papel secundário, mas com algum destaque. Chegamos então ao filme em questão e Zöe Kravitz, uma atriz muito mais jovem, com bem menos tempo de carreira, mas com um olhar muito mais complexo para o fazer cinema e pensar cada plano, ainda que falte alguma maturidade para transformar essas imagens em narrativa.


Assim, desde o início as intenções vão ficando claras para o espectador mais acostumado com esse tipo de filme (que traz elementos da ficção científica e do terror, envoltos em estudos sociológicos e filosóficos), as obras sobre “despertar”, na qual o já citado Não Se Preocupe, Querida se enquadra, assim como o celebrado Matrix, o recente Corra! (o qual Kravitz tem sua maior referência) e que já teve fins variados ao longo da história do cinema, muito usado como propaganda hollywoodiana contra o comunismo durante os anos de Guerra Fria, e, mais recentemente, sendo veículo importante para as lutas feministas, LGBTQIA+ e contra o racismo. Nesse sentido, Kravitz vai pelo caminho mais simples, tomado não apenas por iniciantes, mas dominante no cinema hollywoodiano contemporâneo, o discurso enquanto resultado final e didático. Não basta a construção narrativa ou o potencial da imagem para nos dizer coisas, a cineasta apela por diversas vezes para os próprios personagens dizendo aquilo que já está compreendido, apenas como uma forma de se fazer entendida de forma inquestionável, ainda que, mesmo nesses casos, ainda hajam cenas com alguma complexidade, como o talento de Adria Arjona se fazendo presente na mesa de jantar, enquanto a personagem tenta atuar e manter as aparências, falando sobre sororidade da forma mais simplória, até que seu rosto e as palavras vão sendo tomados pelos seus sentimentos mais sombrios.


Só que, para além disso, o que move Pisque Duas Vezes como um todo são as escolhas formais de Kravitz, justamente o que torna a diretora estreante inexperiente e instigante ao mesmo tempo. São mais de 130 anos de história do cinema, e há muitas décadas nada de realmente novo é feito, algo que os maneiristas já haviam reconhecido nos anos 1970, quando se voltaram para os gêneros clássicos, a fim de deformá-los pelo exagero e um estilo chamativo que rompia aquela ilusão de estarmos vendo a realidade diante de nós. Mas, como tudo que faz parte da indústria de cinema mais rentável e influente do mundo, aos poucos, qualquer tipo de transgressão, mesmo estilística, vai sendo apropriada pelo sistema, tudo para manter esse espectador em sua zona de conforto, acostumado com o que está vendo, sem ser perturbado por quebras de expectativas. Nesse sentido, Kravitz cai em um lugar meio ingênuo do diretor jovem com muitas referências e uma ânsia por fazer algo de muito novo, o que quase sempre se volta para os mesmos recursos espertinhos de brincar com tempo, espaço e estranheza pela supressão de informação, como nesse caso. É o close com som abafado na protagonista, antes do que está a sua volta ganhar vida novamente, a montagem de cortes rápidos para sugerir uma perda da noção temporal, trabalhadores do lugar fazendo coisas estranhas e rindo macabramente quando perguntados sobre aquilo, e um ritmo sempre frenético com cortes e sons chamativos, tudo aquilo que é usado aos montes em filmes mais recentes sobre despertar, como os já citados Não Se Preocupe, Querida e Corra!, ainda que aqui em escala muito maior.


Só que, se por um lado Kravitz cai na armadilha de tentar fazer algo realmente diferente, expondo apenas o que a indústria já englobou para esse tipo de filme há muito tempo, é invejável o olhar da cineasta para a construção da narrativa por uma composição calculada de planos, dos mais evidentes, como o ponto de vista de uma personagem sendo filmado por baixo das pernas do namorado para visualizar a protagonista (Naomie Ackie) à distância, ao uso inteligente da baixa profundidade de campo, que cria uma opressão constante pela imagem, e, aí sim consegue criar o desconforto no espectador por aquilo que nos está sendo escondido, uma brincadeira com a necessidade que o nosso olho tem de querer enxergar o entorno com clareza, mas que a diretora faz questão de nos impossibilitar. Então, para além da ânsia legítima de uma estreante pelo discurso social apresentado de forma clara e da busca por fazer algo diferente, Zöe Kravitz é alguém para se ter um olhar atento pela sua capacidade de realmente fazer cinema, de conceber a imagem em movimento, algo cada vez mais raro na Hollywood atual.


Filme assistido a convite da Warner Bros. Pictures e CDN Comunicação

Pisque Duas Vezes chega aos cinemas brasileiros em 22 de agosto de 2024


 

Nota da crítica:

3/5


Crítica escrita por Victor Russo

Comentarios


bottom of page