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EO (2022) | O mundo cruel dos humanos

Foto do escritor: Raissa FerreiraRaissa Ferreira

Jerzy Skolimowski expõe cada canto da exploração animal, retratando um mundo cruel e hostil pelos olhos dos oprimidos



Skolimowski disse em entrevistas após as filmagens de EO que sua inspiração inicial, saída de A Grande Testemunha (Bresson, 1966), se deu quando entendeu que um animal poderia provocar mais empatia nos espectadores do que qualquer ator. Para mim isso sempre foi verdade, e essa possibilidade de sentir compaixão com os animais, principalmente no cinema, onde a direção pode usar diversas ferramentas para tornar ainda mais apelativa essa relação é também um grande indicador de sensibilidade. Nesse filme, que acompanha a jornada do burrinho Eo, o diretor não só cria uma obra em que é quase impossível não simpatizar com o animal, como também expõe as diversas crueldades que diversos animais sofrem nas mãos dos humanos, por seus próprios olhares.


Fica clara a relação quase ativista que Skolimowski quer traçar aqui quando já no começo do longa há um protesto contra o uso de animais em circos, local onde conhecemos Eo e sua treinadora, e o pontapé inicial de sua jornada. O burrinho é um agente observador do mundo, fadado a testemunhar e viver o bom e o péssimo do universo que o cerca, andando em busca de algo - uma liberdade ou o conforto da humana em quem confia - mas sempre caindo nas mesmas armadilhas das pessoas. Para nos aproximar de Eo, o diretor retrata os olhares do animal e relaciona as imagens para criar emoções. Sem falas e obviamente com a impossibilidade do burro atuar, o longa usa a sugestão para criar esse laço e nos tornar também testemunhas da história de Eo e dos animais que cruzam seu caminho.



Não é só entre espectador e protagonista que se cria essa empatia, mas também entre todos os animais do filme. Eo observa diferentes espécies que também são exploradas pelos humanos. A princípio há uma relação clara entre ele e os cavalos, animais que ele vê livres no campo ou galopando, momentos em que as imagens mostram uma diferença entre os cavalos - majestosos, bem cuidados, fortes - e os burros - tidos como inferiores, de carga, negligenciados. Ainda assim, essa diferença some quando o burro fica no mesmo lugar que os cavalos, onde todos estão sendo explorados e escravizados igualmente. Quando Eo é usado como burro de carga em o que parece ser um matadouro de raposas, existe uma relação breve criada entre ele e as raposas ali presas, estabelecendo pelos olhares sentimentos compartilhados por aqueles que são oprimidos, conduzindo a uma resposta agressiva do burro que até então não havia mostrado seu rancor pela humanidade. É um acúmulo de tudo que Eo testemunhou, animais mortos, feridos, presos e usados.


Tudo que machuca ou mata os animais no longa é consequência de ações humanas, mesmo num lugar remoto, é um objeto criado pelos homens que mata um pássaro, nunca é uma ação da natureza que os afeta. Existem belas imagens da natureza, que Eo observa com desejo de ser livre - quando está preso ou sendo transportado - e também com medo - quando vaga sem rumo, talvez perdido, em lugares remotos. Para emular o olhar animal, Skolimowski estudou a forma como os animais enxergam e criou distorções que colocam facilmente o espectador nesse ponto de vista. O forte vermelho que também faz parte dessa intenção, ajuda a demonstrar alguns sentimentos de medo, assim como os raios solares trazem algum conforto. São esses elementos trabalhados juntos, uma trilha sonora que ajuda a evidenciar sensações e uma câmera que nos posiciona diretamente no olhar desses animais que preenchem todos os silêncios, fazendo parecer que estamos ouvindo os pensamentos de Eo diversas vezes, o que torna os diálogos desnecessários para compreendermos as cenas mais quietas e fortalencendo a empatia com o burro.



Para falar a verdade, são poucos os bons momentos que Eo vive, em grande parte do tempo ele está sofrendo e observando outros sofrerem. Ainda assim, existem humanos que são retratados com mais cuidado pelo filme, que são justamente os únicos que demonstram algum carinho pelo burrinho e não causam a ele nenhuma dor. Nessa jornada de Eo existe mais dor do que amor e são poucos os que se importam com ele. O mesmo ocorre com todos os animais, não vemos gatos ou cachorros no longa, apenas os animais que os humanos enxergam como inferiores ou que servem a eles, dos peixes aprisionados em aquários às vacas andando em fila para o abate.


O pessimismo que parece rondar da metade para o fim do filme se fortalece em seus últimos minutos, como se a obra dissesse que não há escapatória, ainda que um ser que nasceu para ser oprimido tente andar livre pelo mundo, esse mundo não é dele. E ainda que existam boas pessoas que cruzem seu caminho, existem muitas mais que são horríveis e cruéis. O destino inevitável é o fim, para todos nós, mas a regra máxima do mundo parece ser que alguns têm mais direito de viver do que outros.


Nota da crítica:

4,5/5




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