Longa quase inteiramente filmado em celulares, La Parle explora a técnica dos dispositivos e as diferentes visões e experiências de seus quatro realizadores, quase sempre se preocupando mais com a estética do que qualquer outra coisa
À primeira vista, sem o entendimento de como o filme foi feito e suas motivações, La Parle é dificílimo de se conectar e quase incapaz de comunicar algo além de um forte esforço com sua fotografia preta e branca de belas paisagens. É um tanto curioso iniciar uma obra de pouco mais de uma hora sabendo que existem quatro pessoas na direção, parece um excesso, que logo é percebido nas imagens. Apesar de uma bonita relação das paisagens francesas, da água em relação aos corpos e as luzes e sombras da praia, alguns momentos parecem desconexos, denunciando a quantidade de visões que comandaram as câmeras. O trabalho é resultado de uma residência artística promovida por Lelouch que inspirou os três franceses Fanny, Kevin e Simon e a brasileira Gabriela Boeri a experimentarem com a linguagem do cinema usando seus celulares. A praticidade de usar os dispositivos foi o ponto de partida e o restante se costurou, daí é possível compreender o quase fetiche que o filme carrega pela estética de suas imagens, passando muito tempo se preocupando em fotografar belas paisagens, sem cores, e esquecendo do restante.
Para montar uma trama que acompanhe essa experimentação técnica, os quatro diretores usam suas próprias pessoas e nomes, com um tanto de ficção e boa parcela de suas vivências. Assim, o encontro deles nessa praia francesa se dá por uma movimentação em que cada um lida com suas questões. Gabriela dá o som suave da voz em português, os únicos momentos que não são falados em francês do longa, enquanto fala com a avó doente e distante no telefone, explicando diversas vezes que não está no Brasil. Fanny passa pelo fim de uma jornada de recuperação de um câncer, em que as imagens exploram sempre seus seios de forma a lidar com a doença e Kevin usa sua relação com o cinema para falar sobre tudo, lidar com seu próprio trabalho, com seu curta, e com a separação dos pais. O engraçado aqui é que Simon fica sobrando sem ter muito a acrescentar, quase um figurante no filme que também assina, seu personagem é o único que não é trabalhado nesse sentido. Para os demais, as experimentações de cada diretor parecem dar suas próprias visões para seus problemas, seja no texto de cada um, na forma como escolhem filmar cada questão ou nas imagens que acrescentam.
O pouco tempo é um ponto positivo nesse caso, já que La Parle claramente tem pouco a dizer e pode entediar rapidamente. Tem seus momentos bonitos, principalmente quando pensamos nessa relação que essas pessoas buscam com a imagem, como que tentando se retratar, se encontrar por meio de seus dispositivos e deixar algo registrado para o mundo em forma de arte. Mas não deixa de ser uma experimentação que não vai longe, não traz nada de novo e soa desconectado. Em alguns momentos a abordagem documental é forte e em outros a linguagem muda muito, é clara a diferença entre as filmagens e propostas, ainda que possa se mesclar sutilmente não cria uma unidade sólida. Parece um trabalho passageiro que fala diferentes línguas, de imagens gravadas sem muita pretensão que se unem como um projeto muito amador, mas com alguns poucos lampejos que carregam algum potencial.
Dado como foi concebido, o filme parece servir bem para que os quatro artistas coloquem suas ideias no mundo e busquem a partir dessa experiência encontrar suas próprias linguagens e meios, então é mais fácil que o espectador se sinta assistindo a um trabalho de faculdade ainda em construção do que um longa finalizado para os cinemas. Mas, sempre que há oportunidade, é bom criar arte.
Filme assistido a convite da Sinny Assessoria e Pandora Filmes
La Parle chega aos cinemas em 29 de Junho.
Nota da crítica:
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