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Foto do escritorRaissa Ferreira

Locarno 2024 | Bang Bang

Acompanhando um protagonista desprezível, Vincent Grashaw parece pretender algo mais sério ao final, mas não vai em busca do drama de empatia ou redenção

Bang Bang Vincent Grashaw

A decadência inunda a encenação de Bang Bang desde os primeiros minutos que o corpo franzino, com alguma lembrança da força que já teve, de Tim Blake Nelson aparece. Vincent Grashaw aposta numa estética mais suja tanto para seu protagonista quanto para a casa e a cidade, buscando ressaltar não apenas como o ex lutador já teve dias melhores, mas sua vizinhança também. O homem que vive da sombra de seu passado e do rancor nutrido pelo antigo rival, se mostra um desafio narrativo, já que o filme pretende nos aproximar de alguém totalmente desprezível, racista, preconceituoso, ríspido e complicado e, para tanto, adota um tom cômico ao rir de todos os absurdos que envolvem as atitudes desse velho senhor. Quando ele se levanta sem problemas da cadeira de rodas e vai até seu carro descolado, as cenas quase o glorificam ironicamente, e quando o homem caminha pela cidade de camisola de hospital, ele anda com a mesma confiança que empregava no volante de seu Trans Am. Então entre essa quase ridicularização e todas as sequências que mostram os extremos da personalidade de Bernard, é um tanto surpreendente o tom mais sério que Grashaw emprega ao fim, amarrando sua narrativa com a intenção de falar sobre a saúde mental dos lutadores. Mesmo o drama construído entre o avô e o neto, numa clara intenção de projetar suas frustrações ao treinar o garoto para ser uma espécie de sucessor no esporte, não parece carregar tanta seriedade, visto que pouco se aprofunda realmente nesse projeto e logo o encara como um fracasso que só serve também à análise do próprio personagem e sua personalidade complicada. É a partir do embate com seu antigo rival, que parece começar toda a narrativa, que Bang Bang adentra esse território pouco explorado até então, deixando aos minutos finais uma reflexão mais dramática acerca do que levou Bernard a ser o senhor decadente e rude que acabamos de acompanhar.


Trata-se então de um estudo de personagem que faz sua conclusão naquilo que não pode ser visto, trabalhando em filme apenas as consequências desse passado como algo irreversível e alarmante. Até certo ponto, portanto, o longa se joga nessa ironia de nos conectar à pior pessoa possível, mas sem pedir que tenhamos empatia com suas cicatrizes psicológicas, Bernard é como é e seus absurdos não pedem nem tem justificativa, geram uma cadeia de traumas, na filha e no neto, talvez em outros ao seu redor também, porém jamais apelam à ligação com as feridas emocionais que esse homem possui por sua família ou seu histórico como lutador. Esse tom cômico que Grashaw escolhe torna a trama mais divertida e seu protagonista muito mais palatável, e não deixa exatamente fora de tom sua busca mais interior ao final, aproveita as próprias características do homem para fazer essa transição. É claro que pela personalidade de Bernard seria impossível para ele simplesmente se abrir, ser vulnerável e coisas do tipo, então quando se sente triste por ter arriscado a vida do neto, não abandona os absurdos mas se encaminha a um lugar de nostalgia, usa sua máscara dura para enfrentar sentimentos. Da mesma forma, Bang Bang continua rindo de seu personagem, enquanto ele usa drogas e dança com um grupo de jovens, e deixa por baixo de tudo isso algo mais substancial sobre as emoções que estão sendo lidadas em último plano.


Ainda assim, é claro que as intenções do diretor parecem mais sérias ao final do que o esperado e é mais pela diversão das atitudes repreensíveis de Bernard que a narrativa se sustenta do que o subtexto dos traumas e cicatrizes psicológicas pincelado aqui e ali, mas pontuado realmente no desfecho. Para esse panorama mais sério acerca dos lutadores, talvez fosse necessário explorar outras faces, e nem caberia à abordagem empregada por  Grashaw. O que de fato se estabelece é um retrato individual cômico que se estrutura no desafio de encarar tudo que há de mais desprezível em uma pessoa sem pedir empatia ou redenção enquanto observa suas dores e erros, abraça essa personalidade nem tão complexa assim, não para simplesmente explorar dramaticamente como ele é assombrado ou ferido pelo passado, mas para rir de si mesmo e seus absurdos, aceitando a realidade de quem é e da vida que viveu. 



 

Nota da crítica:

3/5


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