Entre a experimentação e o mau gosto, Courtney Stephens propõe um conceito que reduz o potencial de seu material
Devo começar esse texto dizendo que, sempre que posso, evito assistir a filmes estadunidenses em festivais de outros países, dadas algumas exceções. Isso porque há tanto a se explorar nas diferentes visões e linguagens do mundo, que possivelmente terão mais dificuldade de chegar até mim, seja em circuito comercial, mostras locais ou mesmo online, que os filmes dos EUA acabam ficando em último lugar na minha curadoria. Mas eu também sempre priorizo os trabalhos feitos por mulheres, sendo esse meu principal critério. Então, quando o nome de Courtney Stephens apareceu na plataforma de Locarno, lendo a premissa muito interessante de seu longa, passei por cima da outra regra e embarquei nessa jornada. Não me surpreendi quando a estética de cara remeteu aos famosos “filmes de festivais”, mas foi curioso ver que esse não é o primeiro longa de Stephens, descrita como uma cineasta da não-ficção e do cinema experimental, rótulos que certamente se aplicam de alguma forma a Invention, embora o experimentalismo pareça mais uma desculpa do que um uso de linguagem. A mistura de documentário e ficção aqui é interessante, principalmente no uso de imagens de arquivo do próprio pai da atriz protagonista, um homem complexo, de crenças complicadas e carreira bastante curiosa. Unir isso a uma narrativa quase científica, em que o equipamento fica centralizado em um quarto esperando que Callie Hernandez finalmente o teste, passando por todas as pessoas peculiares que seu falecido pai conheceu, nesse trabalho do luto que se costura ao mesmo tempo que a própria estrutura fílmica, parece, de fato, algo que no mínimo desperta a curiosidade, mas é a forma como Stephens apresenta suas ideias que reduz muito sua obra.
Não é novidade a forçação de barra de alguns cineastas independentes, principalmente estadunidenses, para criarem algo “artístico” empurrando mais conceito do que se preocupando realmente em fazer um filme. Invention tem uma estética que flerta com os filmes de horror B dos anos 80 ou 90, estoura sua luz branca, deixa muito teto em várias cenas e trabalha os ambientes mais pelo vazio e pelas encenações marcadas, tentando ser um material que parece antigo, nostálgico, mas também propositalmente falho. Isso rende algumas cenas que certamente podem ser rotuladas como “bonitas” quando removido um frame para esta constatação, mas na unidade visual, soa como um esforço superficial. As atuações amadoras que vão dialogar com um referencial lynchiano também são intencionais, e, assim, aproveitadas quando a diretora usa seu próprio fazer fílmico como parte da narrativa, abrindo erros, bastidores e afins. Há diversas cenas em que uma vela vermelha é observada enquanto ouvimos equipe e atores conversando sobre o verdadeiro pai da protagonista, tentando tecer esse filme improvisado enquanto testemunhamos pelo áudio. Veja, são fatores isolados que não são de todo ruim, mas juntos parecem mais uma piada de mau gosto de quem quer muito ser artístico, ou camp, como tanto dizem hoje por aí sem nem saber o que isso significa.
Debruçar-se no cinema experimental é perceber que existem muitas formas de trabalhar a linguagem e esse caminho de explorar o estranhamento, de tudo ser esquisito e mal-acabado é talvez a mais pobre delas, possivelmente algo mais alinhado, na verdade, a uma ideia de surrealismo. Existe uma história muito interessante aqui, principalmente no potencial dessa mística do pai como um médico cercado de ideias conspiratórias, que sempre que surge levanta mais curiosidade, seja pelo documental ou pela ficção, mas tudo acaba soterrado na forma como Stephens se esforça para empilhar suas visões acima do filme e não por meio dele. Li diversas vezes como esse seria um trabalho inovador, sendo que é algo que quem procura mais sobre cinema já viu muitas vezes, até mesmo em trabalhos de mostras ou faculdades aqui no Brasil, ou como esse é um longa sobre o luto, sendo que tudo que é usado para trabalhar essa relação acaba rompendo com a mesma. Na ideia, a ficção científica estaria em Invention para conectar o pai falecido à filha protagonista que redescobre esse laço a partir da máquina deixada em testamento, tanto é que a mulher só chora quando finalmente se abre a usar o equipamento, depois de passar por diversas cenas desacreditando o médico charlatão que a criou. Mas isso são pequenos, minúsculos, aspectos de algo que se debruça mais na esquisitice de seus personagens travados, na apatia da filha enlutada, na luz branca que cria uma névoa nas cenas, na montagem de plano e contraplano em que sobram espaços vazios para gerar estranhamento e nos diálogos forçados.
Talvez seja realmente esse improviso que enfraquece, ou talvez a ideia de Courtney Stephens de cinema experimental seja encenar a coisa mais esquisita possível, ressaltando falhas e baixo orçamento, e vender como conceito, ou talvez eu não seja sensível o suficiente para compreender como isso é tão artístico. Fato é que eu adoraria assistir a um filme sobre o pai de Callie Hernandez e suas peculiaridades enquanto médico, tanto quanto adoraria assistir outro filme que trabalhasse a premissa de Invention com mais dedicação ao longa do que a essa vaidade e pretensão de mau gosto.
Nota da crítica:
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