Christoph Hochhäusler complica sua trama em um emaranhado sem foco que gira ao redor de si mesmo para encontrar uma conclusão frustrante
Na introdução de La Mort Viendra (Death Will Come) já fica claro que Christoph Hochhäusler está tentando fazer malabarismo com mais bolas do que consegue dar conta. De certa forma é notável encontrar um filme de gênero na seleção de um festival como esse, mas o resultado deixa uma grande frustração. Entrar nessa história de gangsters que lutam pelo poder em Bruxelas poderia ser mais simples, visto que o filme se concentra apenas nas pessoas que fazem parte desse mundo do crime, ignorando o exterior, algo comum aos filmes de ação e outros, porém, as complicações vem com os muitos núcleos retratados com pouca atenção - não é quantidade o problema, mas a incapacidade. Há uma trama central que move a história, a emboscada que um capanga do chefão Charles Mahr sofre, seguida de seu assassinato. É esse acontecimento que gera conflitos e avança as relações, mas demora muito tempo até que se faça compreender (se é que isso acontece) o que cada pessoa significa nisso tudo. Possivelmente o distanciamento que o diretor mantém com seus personagens seja um dos culpados pela confusão que se estabelece e torna tudo bastante desinteressante. Existe uma conspiração ocorrendo, pessoas trabalhando como agentes duplos, jogos de poder e investigações, porém para essa dinâmica ser minimamente interessante, há de se criar alguma conexão com algum ponto que seja e marcar hierarquias. La Mort Viendra deixa todos no mesmo nível, longe e equilibrados na balança, então é quase impossível se preocupar se algum golpe será dado e quem vai vencer se isso acontecer, em dado momento até parece que todos estão trabalhando juntos e não há prejuízo, apenas uma confusão desnecessária usada de desculpa para filmar algumas cenas com tiros e facas. Não me leve a mal, eu aceito qualquer motivação para uma sequência de ação com violência, mas essas são muito mais exceção do que regra.
A assassina contratada Tez é incluída na trama após todos os núcleos serem apresentados, talvez porque Hochhäusler tenha acreditado que dessa forma sua lógica ficaria mais clara, mas o emaranhado de personagens não faz nenhum sentido. Sem se aproximar deles, suas personalidades também são muito caricatas, como o casal que possivelmente era rival de Mahr e são quase desenhos vazios, mal educados, com casacos de pele e uma luxúria ilustrada no corpo da garota de programa que vive com eles como um objeto, sem nunca representar nenhum desejo ou tesão nas dinâmicas entre eles. Existe alguma conspiração ao redor da construção de uma espécie de bordel com mulheres de borracha e realidade virtual, o que driblaria a ilegalidade, mas isso é arranhado tão na superfície que fica difícil dizer se tem alguma implicação nas mortes e lutas de poder. O chefão que está doente e prestes a morrer é também uma figura quase esquecível e sem personalidade, embora seja fundamental para a trama. Há também uma mulher, possivelmente cafetina, uma caricatura cega que fica avulsa e começa e acaba na mesma, sem mostrar alguma relevância nessa dinâmica toda. Digo tudo isso porque a forma como o longa mostra essas pessoas e seus núcleos dá a entender que sim, tudo aqui é importante e vai se costurar com significado ao centro da narrativa, com cenas de conversas marcadas que vão desenhando mistérios, dúvidas e conspirações, mas sempre de forma muito confusa já que nada é construído coerentemente. Falta uma estrutura, falta contexto e falta criar interesse. Hochhäusler faz tudo parecer misterioso, dá esse tom de suspense, mas eu não poderia me importar menos em desvendar já que estou muito ocupada tentando compreender o que está acontecendo aqui.
A única peça com alguma construção mais dedicada é Tez, embora não fuja da caricatura, elaborada como todos os outros como se fosse retirada de um gerador automático de personagens. Seu rosto é mais marcante, se faz diferenciar do restante porque o diretor se importa minimamente em a filmar com alguma relação entre sua função e os espaços, dar contorno a ela enquanto pessoa, seus desejos, motivações, como sua mente opera e como funciona em relação aos outros em cena, enfim, o básico que é preciso para que o espectador reconheça alguém em um filme e consiga criar um vínculo por menor que seja. Assim é ela que protagoniza as poucas cenas de ação e dá alguma emoção aos movimentos e acontecimentos. Hochhäusler perde boas oportunidades na encenação das lutas no galpão abandonado, até faz acenos interessantes que se perdem ao recorrer a algo mais genérico ou ainda pior, sofre com algumas sequências pessimamente montadas que mais uma vez confundem pela quebra de continuidade. São erros básicos que normalmente eu nem apontaria, irrelevantes na maioria das obras, mas aqui a situação é meio lamentável mesmo.
No entanto, provavelmente o mais frustrante é ver esse filme fazer malabarismo com tantas coisas que não consegue dar conta para chegar a uma conclusão tão esdrúxula. Como assistir a um cachorro correr atrás do próprio rabo, chego ao fim pensando que tudo que acompanhei foi um exercício terrível com uma única intenção e talvez por isso o cineasta tenha tido tão pouco empenho em seus personagens, tramas paralelas e qualquer outra coisa que seja. A confusão mal elaborada faz parte exatamente do que o próprio chefe do crime fez, contratar alguém para passar por esse mesmo emaranhado sem sentido só para chegar ao fim e lhe dar um tiro, já que esse homem está morrendo de uma doença terminal. Não é surpresa então que ele mesmo se mate, tornando tudo isso um desperdício completo tanto para Tez quanto para quem passou quase duas horas assistindo La Mort Viendra. Não fique triste com o spoiler se você está lendo esse texto sem ver o filme, as chances de um dia você chegar até esse longa são poucas e se acontecer, eu posso te poupar alguma irritação já lhe preparando para o pior.
Nota da crítica:
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