Explorando as expectativas da maternidade por meio da fuga silenciosa de sua personagem, a dupla de cineastas prende seu filme à premissa e trava a evolução
Há quem diga que quando nasce um bebê também nasce uma mãe. Quando Diane (Dorothée de Koon) troca carinhos no sexo com seu parceiro, exibindo o ventre de uma gravidez avançada, é difícil imaginar o que virá a seguir. Convidada a explorar a própria vagina com os dedos e sentir a cabeça do ser humano que está prestes a parir, a mulher começa a exibir algum desconforto no rosto que demonstra algo a mais que a habitual dor desse momento. Quando focam nessa fresta do corpo a exibindo como janela de vida, ferramenta específica para dar à luz, Carmen Jaquier e Jan Gassmann não o fazem de maneira romantizada, mas quase plástica, como se esse pedaço praticamente não pertencesse a Diane, possivelmente um ínicio de sua dissociação com a atividade em progresso. Enquanto mulher e parceira de Martin (Roland Bonjour) havia outra vida que a cercava e a partir do momento que a pequena criança chega ao mundo exterior a seu ventre, toda luz parece diminuir um pouco, seu semblante se torna exausto e os ambientes se tornam sufocantes, enquanto os demais festejam um tanto desfocados o acontecimento. Não há desespero, nem na protagonista nem na encenação, quando ela decide fugir, pelo contrário, há uma calmaria silenciosa em sua escolha que consegue conciliar o ato repentino com uma firmeza solidificada.
Os Paraísos de Diane jamais observa a bebê como algo além de uma ideia, a deixa nas cenas quase como qualquer outra parte do cenário ou figurante, fugindo de uma construção de culpa da mãe ou empatia do público, o único vínculo que tem a intenção de ser estabelecido é com Diane, embora jamais pedindo - no sentido mais apelativo - que sinta-se algo por ela, pena, simpatia, raiva ou o que for, sua decisão é tomada com lucidez, não precisando de aprovação ou apoio para seguir em frente. De certa forma, essa postura é o que nos mantém ao lado da personagem, sua firmeza no que está fazendo torna qualquer investida de sua família para a encontrar um incômodo. Esta é uma mulher que está fazendo o que quer, tem consciência de seus atos e, portanto, compreende-se que seu espaço deva ser respeitado, por mais estranho que pareça. Se existe egoísmo ou outra questão nesse meio, são debates que sempre vão atravessar o quanto as expectativas e imposições sociais com as mulheres e mães são também responsáveis por tais problemáticas, não promovendo a fuga como uma alternativa louvável, mas construindo em sua realização de que não é uma mãe, a possibilidade de que esta reflexão seja aceita. Utilizando simbologias como máscaras, perucas e fantasias, Diane circula em sua viagem a outros países e idiomas por apontamentos diretos acerca do que é esperado das mulheres na construção familiar, é assim que ela encontra uma senhora sozinha e acaba adquirindo junto ao carinho por ela, alguma responsabilidade que as liga, uma constante no mundo feminino, o cuidar.
No entanto, essa premissa se alonga durante todo o filme, a certeza de Diane vai se entrelaçando a essas tantas pontuações e questionamentos, travando sua evolução. A mulher que parecia apenas seguir em frente, escapando para o mais longe possível, começa a circular ao redor de si mesma, enquanto o longa tenta a reconectar com seu corpo como ferramenta própria, de prazer e outras sensações, permitir seu descanso repetidas vezes, aquele tão negado às mães, e a lançar a alguma loucura que parece ser a única alternativa encontrada pelos cineastas para a redimir com seu parceiro, ficar em paz e dar um fim a sua escapada. Mas Diane já sabe há muito tempo que não é mãe, não quer ser mãe e não pretende retornar às expectativas que colocaram nela, sua firmeza se transformar gradualmente em uma instabilidade emocional até se atrela a uma jornada de redescoberta, mas parece também trair a postura decisiva que a colocou nessa rota.
Estabelecer essa dinâmica como uma simples depressão pós-parto seria diminuir a narrativa de Diane, que pretende discutir muito mais do que isso, e obtém algum sucesso antes de o apego à premissa desgastar seu caminho e travar suas chances de evoluir além de tudo que foi apresentado. Ainda assim, Os Paraísos de Diane se relaciona bem com as temáticas que acessa, tornando principalmente sua construção inicial um exercício muito interessante que não se estabelece nos estereótipos femininos, mas tenta romper com eles.
Nota da crítica:
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