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Foto do escritorRaissa Ferreira

Maputo Nakuzandza (2021) + O Rio não é uma Fronteira (2022) | Mostra de Cinemas Africanos

O olhar brasileiro para a vida na capital de Moçambique em uma narrativa livre e o grito político de resistência dos sobreviventes dos massacres nos dois lados do Rio Senegal



Maputo Nakuzandza (2021)


O que faz de um filme parte do cinema africano? Essa é a provocação que a diretora da Mostra de Cinemas Africanos faz ao lado da diretora brasileira Ariadine Zampaulo, que filmou seu longa enquanto estudava em Moçambique, como parte de um projeto da UFF e posteriormente finalizou já no Brasil, com apoio de diversas pessoas e produtoras de muitos lugares. Não se faz cinema sozinho, afinal. Mas, ainda que seja brasileira, Ariadine faz um filme não apenas em Maputo, capital de Moçambique, mas sobre a cidade, que é a protagonista maior dessa narrativa que flui livremente na tela.


O longa de apenas 60 minutos passa por um dia, do amanhecer ao anoitecer, desse lugar, observando seus acontecimentos e as pessoas que passam por lá, seus problemas, seus olhares para os aspectos urbanos ou não e sua convivência com outros. As questões femininas são sempre bem pontuadas, desde o começo com algo mais explícito sendo trabalhado pelos diálogos, com frases clichês sobre a violência contra a mulher, até as sutilezas trabalhadas ao longo do filme, da mulher que foge do casamento, caminhando pela cidade vestida de noiva, da que busca emprego ou da que vê o marido com outra mulher. Porém, aqui os personagens são meros passantes, há um distanciamento deles porque o foco é realmente o coletivo da cidade, não existe individualização na trama, muito menos um protagonismo destacado, ainda que algumas pessoas se repitam. Dessa forma, Ariadine dá vida à cidade, fluindo seu filme entre essas pessoas sem se prender em suas histórias separadamente, usando a narração da rádio Maputo Nakuzandza como condutora para acompanhar as observações visuais e dar ritmo.



Mesmo quando parece não ter muito a dizer, ou não saber muito como ligar tudo isso no final, há muita força em como Ariadine propõe observar tantas mulheres em momentos duros, de solidão, opressão e violência, costurados com homens andando e vivendo por Maputo com mais tranquilidade. A cidade grande é muitas coisas, engole, oprime, mas também diverte e encanta com sua beleza.


 

O Rio não é uma Fronteira (2022)


As dores de uma guerra no passado, mas bem pouco distante de hoje no tempo, podem ser trabalhadas de diversas formas no cinema e Alassane Diago pretende deixar que quem viveu a história a conte, com muito respeito e humildade para adentrar feridas ainda abertas e permitir que sua câmera seja uma janela para transmitir essa resistência e busca por justiça que já dura mais de 30 anos.


Ao unir diversos sobreviventes, que testemunharam e também foram vítimas em 1989 de conflitos violentos entre Mauritânia e Senegal, O Rio não é uma Fronteira cria embates entre pontos de vista diferentes, mas também une pessoas que se acolhem e se escutam, algumas que até se reconhecem do passado e muitas que se reconhecem na dor do outro. Assistimos a esses relatos como se estivéssemos também ali, sentados com eles numa roda de escuta e trocas, mas somos apenas ouvintes como Alassane, nos colocando nesse mesmo lugar de respeito com essas pessoas. São histórias dolorosas, algumas vezes soando como desabafos de algo entalado no peito há tantas décadas, mas em todos sentimos o mesmo senso de injustiça, o mesmo grito de sofrimento de quem nunca esqueceu e nunca se esquecerá do que aconteceu.



A existência de O Rio não é uma Fronteira é importantíssima, visto que aqui no Brasil e em vários outros cantos do mundo, pouco ou nada somos ensinados sobre a história dos países africanos e seus conflitos, muitas vezes motivados por cicatrizes de colonizações e fronteiras artificiais. Portanto, o trabalho de Alassane Diago de criar esse espaço de debate sobre tudo que essas pessoas viveram, serve como um filme totalmente político e efetivo em transmitir essa mensagem para todos os lugares em que o documentário chegar. A ausência de trilha sonora pede atenção ao que é contado, sem necessidade alguma de artifícios para manipular as emoções, bem como muitos planos se demoram sem cortes ou mudanças enquanto alguém fala. Há muito poder principalmente quando as mulheres contam o que viveram, em suas cenas é que encontramos uma paixão a mais no discurso e também, dores expostas de maneira mais profunda.


Os diálogos propostos em tela são um manifesto de força que pedem justiça, e mesmo que revelem uma exaustão dessas pessoas que nunca pararam de lutar, também mostram que há muita vontade de encontrar uma solução, de atravessar o rio e continuar esse debate do outro lado. O Rio não é uma Fronteira é a união do cinema e da fala como ferramentas da história, feito com muita responsabilidade e consideração por todos que a formam.


 

Filmes assistidos como parte da cobertura de imprensa da Mostra de Cinemas Africanos


Maputo Nakuzandza e O Rio não é uma Fronteira fazem parte da edição de 2023 da Mostra, com programação em São Paulo de 5 a 13 de Setembro e em Salvador de 13 a 18 de Setembro


Confira a programação completa em: https://mostradecinemasafricanos.com/


E acompanhe a cobertura completa clicando aqui


 

Nota da crítica:

3,5/5




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