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Mostra de Cinemas Africanos | Disco Afrika: Uma História de Madagascar (2023)

Com uma jornada pessoal que adentra a linguagem documental, filme de Luck Razanajaona olha para a veia revolucionária de Madagascar

Disco Afrika: Uma História de Madagascar

Como um impulso do destino, a morte do amigo de Kwame o tira da vida nas minas clandestinas e o empurra até suas origens. Na casa, as mãos operam como nas buscas na lama por pedras preciosas, encontrando vestígios do pai falecido. É esse vínculo de sangue com uma revolta política que leva o protagonista até o verdadeiro objetivo de Disco Afrika: Uma História de Madagascar, observar por meio dessa jornada pessoal ficcional, uma abordagem quase documental que para e destaca a história de Madagascar, ou pelo menos tenta. Sem ser muito didático, Luck Razanajaona e os outros três roteiristas que escrevem o longa não contextualizam com tantos detalhes os conflitos do país, mas caminham por sua veia revolucionária por meio do embate em que Kwame se encontra. É como se as questões envolvendo a morte do pai se repetissem, não apenas ressaltando um ciclo político do lugar, mas também jogando o personagem em uma encruzilhada moral. Logo na primeira busca por trabalho, de volta a sua cidade natal, já dá de cara com um líder sindical, com as revoltas populares nas ruas e o amigo rico e corrupto. Para um jovem que viveu boa parte do tempo fugindo na lama, tentando encontrar alguma pedra que pudesse ajudar a família a prosperar, a cidade não parece tão distante disso. Então, por meio das raízes familiares, o longa observa o lado histórico, deixando que a linguagem documental abra espaços de respiro na narrativa para realmente enxergar os lugares e explicar seus contextos, cenas guiadas normalmente pelo homem mais velho que usa uma câmera para registrar tudo. Do outro lado, outro homem mais velho é o mentor revolucionário que o incentiva a entregar o amigo de infância pelo bem do país. O que se vê é um protagonista ainda aprendendo a viver e no que acreditar e, nesse processo, descobre-se tanto sobre si mesmo e suas origens, quanto do espaço ao seu redor.


Disco Afrika atrela a compreensão do cenário político de Madagascar ao destino de Kwame, sem que o protagonista seja deixado de lado, é sua própria descoberta pessoal que escava pedaços de história. Não é totalmente claro, no entanto, ao traçar essa superficialidade em que o jovem é enfiado, do amigo claramente vilão, ostentando um certo visual e posses, e do líder que se aproxima dele para o usar como informante, carece de algum entendimento maior do que se passa verdadeiramente no país e que provavelmente daria profundidade a essas relações ao redor do personagem, conectando tudo com mais coerência e peso. Pelo que protestam diariamente as pessoas na rua, fica a cargo apenas de algumas pequenas pinceladas, a energia cortada frequentemente, a pobreza geral, a dificuldade de encontrar emprego e comer. A vida digna parece limitada a poucos que operam na corrupção e ilegalidade, enquanto outros se matam em busca do mínimo. Isso é óbvio, mas a raiz, no entanto, é muito mais profunda do que o filme dá conta, sempre falando de revolução, revolta, política e problemas, mas nunca se debruçando nos verdadeiros culpados. São as pequenas pessoas que ilustram essa história de Madagascar, deixando de fora os grandes poderes, apenas aludindo a eles como força maior. 


Quando a linguagem parece mudar e se torna mais documental, filmando espaços com grande importância e destacando a narração, ainda assim, vê-se que há algo muito mais complexo a ser contado. Kwame é o meio para mostrar uma população miserável que vive todos os dias com pouco e encontra tanto revoltas quanto pessoas com alternativas questionáveis, mas a base disso, do que levou seu pai à morte, pela delação do pai do amigo, e, no presente, coloca ambos em um duelo similar, não é construída com a mesma atenção. O despertar político da população que vemos em Disco Afrika parece pedir por mais do que a história de Kwame consegue atingir com sua estrutura, mas, ainda assim, Luck Razanajaona consegue passar alguma efervescência das ruas com seus recursos limitados, principalmente quando se aproxima dos rostos de pessoas e policiais, aumentando a tensão. Destaca-se uma Madagascar em constante revolução, em embate com sua política, sem deixar claro a raiz dessa necessidade para além da superfície dos problemas sociais e do passado sombrio que leva Kwame até o descanso final de seu pai. Sente-se que algo muito importante está permeando as cenas, algum peso que existe, mas tem dificuldade em emergir.



 

Nota da crítica:

3/5


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