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Foto do escritorRaissa Ferreira

Pearl — Um conto de insanidade

Ti West revisita questões de X para se aprofundar na mente de Pearl, em uma história hollywoodiana de princesa sem final feliz


Pearl Crítica

Se em X — A Marca da Morte, Ti West referenciou o slasher e seus clássicos, em Pearl as referências ao cinema são mais uma vez a base para construir sua linguagem, agora criando um conto de fadas hollywoodiano. As cores bem saturadas e a fazenda com animais e céu sempre claro, criam a ambientação perfeita para uma história enlouquecedora de princesa. O visual chega a ser enjoativo, e esses elementos casam perfeitamente com a atuação brilhante de Mia Goth, que dá vida a uma doce e inocente Pearl, presa, perturbada e infantilizada por uma figura feminina mais velha, forte e autoritária, sua mãe, e que tem o maior laço afetivo com a figura masculina dependente e frágil, o pai. Apesar de ter idade suficiente para ser casada, a jovem é uma versão da gata borralheira, impedida de sair do ninho, amadurecer, explorar sua sexualidade e realizar seus sonhos. A história é clássica e a forma como o diretor a usa é no mínimo interessante.


Assim como no filme anterior, a narrativa da história de origem de Pearl também se apoia em uma rivalidade feminina. Há uma clara relação sobre a dinâmica entre Pearl e sua mãe com a entre Maxine e Pearl. A mãe aqui é uma mulher mais velha, reprimida sexualmente, impedida de viver seus sonhos, que projeta suas frustrações na filha que está no auge da juventude, iniciando sua vida. Dessa forma, essa figura feminina poda o amadurecimento da jovem, a mantendo infantil e a impedindo de sair dessa mesma prisão metafórica. Se a Pearl idosa ressente a jovem Maxine no futuro, a jovem Pearl é vítima desse mesmo ressentimento. Assim, Ti West retorna a muitas questões de seu outro filme, mas com uma construção muito mais segura e com um resultado muito melhor.

O cinema também é mais uma vez parte importante, não só para a estética do filme mas também para a motivação da história. Os filmes mudos servem de inspiração para Pearl sonhar, o cinema (local) é um lugar de fuga, o projecionista é uma chance de escapar e a pornografia é a transgressão. É a vontade de ser uma estrela que motiva Pearl a se rebelar contra a bruxa má, essa mesma vontade, esse mesmo sonho, que conduzirá Maxine no futuro. Ainda que a experiência de assistir a Pearl não seja prejudicada por um desconhecimento de X — A Marca da Morte, conhecer a história posterior pode transformar o contato com a origem de nossa (futura) vilã algo ainda mais interessante.


É divertido também como West constrói essa loucura provinda do isolamento de uma pandemia. O medo constante de se infectar e os protocolos de segurança que se assemelham a uma realidade muito recente do lado de cá da tela, servem como ferramentas de controle e punição da mãe com a filha, bem como um distanciamento entre os personagens. Há muito espaço nos planos e poucas pessoas, na maioria das vezes afastadas, contrastando totalmente com os momentos sufocantes em que Mia Goth sustenta longas cenas em planos fechados, seja com grandes textos ou apenas com expressões faciais, que dizem tanto quanto.

As cores vibrantes e os cenários ironicamente alegres do longa se alteram completamente durante a sequência que é o ponto de virada. Para quebrar a máscara que Pearl usa e esconde seu lado obscuro, o confronto entre as duas figuras femininas rivais troca o céu sempre azul por uma tempestade e as luzes e cores vibrantes pelo escuro, abraçando toda a insanidade que a jovem tentava conter e ilustrando um horror quase cartunesco, que conversa muito bem com o mundo criado pelo diretor.


Mas, mesmo que mate a bruxa para poder ir ao baile, Pearl não é a típica princesa, e nada aqui funciona a seu favor, então ela se vinga, joga contra as regras desse universo alegre e colorido onde a mocinha loira e boazinha não vai ter um final feliz se depender dela.

O caminho que leva Pearl de uma jovem que precisa amadurecer a uma idosa que ressente o envelhecimento é exatamente o que sua mãe ensinou, o de se acomodar com o que se tem, cultivando um ódio por nunca ter vivido seus sonhos. Ela veste uma máscara e se força a caber nesse final — o melhor que deu — feliz, de esposa, dona de casa e fazendeira, longe dos holofotes, afinal, não há lugar como o nosso lar.


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