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Foto do escritorRaissa Ferreira

Tribeca 2024 | Hunters on a White Field

Em um ensaio sobre a masculinidade e seus artifícios, Sarah Gyllenstierna coloca homens como presas e predadores de si mesmos


Hunters on a White Field

Há uma diferença muito bem marcada em toda a encenação de Hunters on a White Field (Jakt) entre seus três personagens. O filme, que trabalha apenas com eles, sempre coloca Alex (Ardalan Esmaili) destoando esteticamente de seus companheiros de caça. O par branco formado por Greger (Magnus Krepper) e Henrik (Jens Hultén) está sempre unido, seja pela cor de suas peles, roupas, cabelos e olhos, ou pelo entrosamento que partilham. Já inserindo o trio no contexto da viagem com a única finalidade de caçar animais, Sarah Gyllenstierna inicia um ensaio sobre a masculinidade a partir de seus personagens, primeiramente criando uma tensão entre a diferença pontuada pela dupla e Alex, em que os homens se estabelecem quase como um casal, em um trabalho que coloca os afetos e emoções entre eles beirando uma afinidade sexual, fazendo com que o terceiro fique sempre separado dessa dinâmica e até, alguma vezes, seja diminuído por eles. Já o objetivo da caça vem com outro viés, de explorar essa necessidade masculina de se validar por instintos primitivos, de usar o poder de matar como uma droga que eles buscam de forma ritualística, sempre respeitando certas regras e convenções. Mesmo com um tema sensível, que envolve o sofrimento animal, Gyllenstierna não tem um fetiche com a violência, usa suas imagens cuidadosamente para que as presas assassinadas sirvam ao propósito de pontuar o comportamento psicológico de seus protagonistas, mais importa a ela como eles agem, se expressam e se movimentam, do que o sangue derramado. 


Alex, por esse deslocamento do grupo, parece que se tornará presa fácil da dupla cheia de rituais e ideias sobre sua relação com a caça, mas Hunters on a White Field se concentra em fazer o personagem ganhar espaço e confiança enquanto observa seus companheiros. Na primeira morte, ele se sente culpado, mas na segunda vez sua relação com a presa se transforma, ele vai ganhando gosto pela adrenalina e poder de tirar vidas com suas balas. Mas, mais do que isso, Alex mantém seus olhos atentos a como a floresta funciona, e como Greger e Henrik se comportam, com isso, o longa estabelece Henrik praticamente como um psicopata que tem o ego ferido quando se torna o único que não mata um animal maior, afinal, a caçada é também uma competição de egos masculinos. No começo, com os patos, Alex é o mais fraco porque só consegue abater um animal, enquanto Henrik é o alfa com mais mortes. Essa lógica se altera por toda a construção do protagonista e, enquanto a encenação o deslocava no começo por outras razões, ela passa a o camuflar entre a dupla, colocando Alex em um lugar sombrio e a presa se torna um predador sedento pela adrenalina de matar. 


Fica óbvio pela construção que a qualquer momento esses três homens irão se matar, só não se sabe de que forma, e pela evolução do protagonista principal, essa ideia vai se transformando ao passo que ele se torna o primeiro a propor que eles efetivamente caçem uns aos outros, na falta de outras presas. Ainda assim, o espectador acompanha o ponto de vista dele como principal e seus medos e receios ficam muito transparentes, enquanto Henrik e Greger se distanciam, se tornam caçadores misturados ao cenário e parecem mais destemidos ou lunáticos já que não podemos observar de perto suas emoções. A necessidade dessa masculinidade de ser validada pelas armas e pelo sangue leva os três numa jornada sem retorno de violência, em que Gyllenstierna se aproveita de uma encenação do cinema de terror psicológico, extraindo o delírio de seus personagens para um tom sombrio, lento e contemplativo. No entanto, é curioso como, embora queiram efetivamente atirarem uns nos outros, não é o assassinato em si que os interessa, não são tomados por uma loucura comum, só jogam de acordo com as regras da caça, só vale o que acontece na floresta, no ritual muito bem explicado e, fora disso, agem como colegas normalmente, até cuidando de suas feridas, mas sem remorso pelas mortes. 


Essa observação interessante dos traços mais tóxicos dos homens aproveita bastante a simplicidade do que o filme tem para trabalhar, a tensão entre eles e a construção de Alex de presa fácil a último predador de pé são capazes de sustentar bem até mesmo os tiques que lembram filmes da A24, extraindo do belo trabalho visual que faz para estabelecer cada um de seus personagens, uma trama que como o grupo, se deixa levar sem a necessidade de destrinchar demais suas razões.



 

Nota da crítica:

3,5/5


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