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Foto do escritorRaissa Ferreira

Tribeca 2024 | The Shallow Tale of a Writer Who Decided to Write about a Serial Killer

Comédia obscura de Tolga Karaçelik explora as sombras e peculiaridades de seus personagens e usa a morte como resgate do casamento

The Shallow Tale of a Writer Who Decided to Write about a Serial Killer

São muitas as características que chamam atenção em The Shallow Tale of a Writer Who Decided to Write about a Serial Killer, a começar, obviamente, por seu longo título, além da história que flerta com o cinema dos Coen e a fotografia e o estranhamento de seus personagens com algo Lynchiano. O mais surpreendente talvez seja que nada acontece conforme esperado, do momento em que o escritor (John Magaro) e o serial killer (Steve Buscemi) encenam uma sessão de terapia de casal, é de se imaginar que o longa seguirá explorando essa possibilidade peculiar, e de fato o faz, mas por outros meios. Da mesma forma, a esposa apática e esquisita (Britt Lower) não dá nenhum indício que participará ativamente da trama, que se concentra na relação de Keane e Kollmick, e então, a personagem adentra e toma para si a ação. É como se Tolga Karaçelik apresentasse seus elementos para os encaminhar a um único momento chave que definirá o filme, amarrando suas ideias, ainda que o desfecho de fato seja um tanto aquém de tudo que se viu antes. O casamento falido é na verdade o principal foco, não a carreira do escritor com apenas um livro de pouco sucesso, nem a ameaça de ter um assassino como consultor quase forçado de sua próxima obra, mas sim a relação com Suzie que parecera descartável no começo do longa e demonstra ser o centro de tudo, usando a morte como resgate. 


A mulher de franja muito reta, nenhum sorriso ou felicidade, sempre filmada com sombras muito marcadas em ambientes obscuros e esverdeados, sabota o marido, retruca o que ele diz, revira os olhos, é praticamente como se Tolga Karaçelik pretendesse fingir que ela é uma vilã na história, que pouco apoia o trabalho de Keane e é rígida demais, infeliz demais, fria e incapaz de aproveitar qualquer coisa que seja. É em seu profundo desabafo sobre o marido que suas atitudes e sentimentos se tornam compreensíveis e a dinâmica com o serial killer substituindo um terapeuta se torna interessante ao passo que a analogia da morte e o casamento se encaixa perfeitamente no que acontece entre aqueles dois. Suzie ganha uma nova vida a partir das observações, ela se torna uma espectadora escondida dos crimes que Keane comete ao lado de Kollmick enquanto estuda para seu novo livro. O longa encena tudo de forma a parecer que não existe mais ninguém nas ruas daquela cidade, apenas os dois, suas vítimas sequestradas, a mulher que assiste e o taxista. Quando ela cruza a barreira do assistir escondido, seu rosto e corpo já são quase outros, existe uma energia ativa que não se via antes na mulher quase morta vagando pelos lugares. A terapia que era apenas uma encenação funciona ao menos para ela, enquanto Keane permanece o mesmo homem sem muita atitude, apenas levado pelo acaso.


Nada é decisão efetiva do escritor, inserir o assassino como terapeuta de casal é um mal-entendido, apagar o mafioso é uma sequência de acontecimentos fora de controle, o restante da noite é todo definido por Kollmick e, eventualmente, pela própria esposa. Para alguém que escreve histórias, Keane não faz nada realmente acontecer, não define, não toma para si a narrativa em nenhum momento, já Suzie, a espectadora, é quem sempre toma as iniciativas e escreve as próximas páginas. Karaçelik escolhe então não descartar essa personagem como uma mulher amargurada que serve de empecilho na jornada dos dois homens, mas dá a ela o devido destaque enquanto mantém o possível protagonista estagnado em sua posição passiva. A energia do serial killer e sua proximidade com a morte, metaforicamente, nos textos e na atmosfera e também literalmente, com a arma e as pessoas amarradas no banheiro, são a salvação do casamento, ou pelo menos da esposa.

É uma pena que o desfecho em si seja um tanto caído para essa comédia obscura que usa tão bem o humor e o estranhamento para elaborar suas ideias, mas de fato, não era de se esperar muito ao entregar a narrativa a esse escritor e suas ideias nada comuns. De alguma forma soa como se Karaçelik não soubesse ao certo como fechar o filme, mas também, uma maneira de abrir espaço a Keane, um homem tão interessado em tantas coisas peculiares, para falar finalmente sobre sua obra que começou tudo isso. No fim, The Shallow Tale of a Writer Who Decided to Write about a Serial Killer abraça as características e sombras de seus personagens e tem um trio que segura bem as particularidades da trama.



 

Nota da crítica:

3,5/5


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