Visions du Réel 2025 | The Guest
- Raissa Ferreira
- 9 de abr.
- 4 min de leitura
Com três pessoas na direção, longa polonês trabalha com o suspense de uma relação inesperada para expor o limbo desumano da fronteira entre Polônia e Bielorrússia
Uma rápida contextualização é apresentada na tela, em textos, antes que a história principal de The Guest comece a ser contada. Compreender como funciona a fronteira entre a Polônia e a Bielorrússia é importante para assimilar as nuances da relação que será investigada pelas lentes do longa, que se aproxima bastante dos rostos, e é muito instigado pela barreira da comunicação. Mas, o trio que trabalha na direção, Zvika Gregory Portnoy, Zuzanna Solakiewicz e Michal Bielawski, que foi inicialmente para a green border alugando um apartamento para filmar as tensões locais, se depara com algo que os fascina mais e se torna mais interessante como centro do documentário, do que de fato explicar o contexto geopolítico.
A pessoa espectadora conhece ao mesmo tempo Alhyder, um refugiado sírio de 27 anos, e Maciek, que vive no vilarejo polonês, no meio da área de tensão. A chegada desse visitante é apresentada com bastante suspense, a princípio, reforçando uma desconfiança mútua. O homem que se desloca em busca de uma vida melhor na Europa, bate na porta de completos desconhecidos, em uma zona crítica, sem saber como agiriam. Do outro lado, a família de Maciek acolhe o rapaz, mas também demonstra receio, em certo ponto até ressaltando preconceitos que rapidamente são repreendidos pelos outros moradores. Em geral, a tensão do desconhecido é dissipada gradualmente, conforme esses estranhos vão se aproximando, mesmo com uma comunicação bastante precária, e o medo e a atmosfera de suspense passam a ser direcionadas ao destino de Alhyder.
Com os três cineastas trabalhando alternadamente pelas problemáticas locais, mas com uma visão que passa uniformidade, The Guest busca closes nos rostos preocupados e desconfiados, por vezes os desespacializando, e em muitos momentos os filmando por um ângulo mais baixo, como que se misturando às interações e reforçando o desconforto geral. Para fora da casa, com paredes verdes e diversas cabeças de animais e outros objetos de caçadores, a floresta é explorada justamente pelos perigos que carrega. Não são ursos, ou outros animais, mas o frio extremo e os militares, mais eles do que o clima.
Nessa zona da fronteira, soldados que capturam migrantes e refugiados atravessando da Bielorrússia para a Polônia os empurram de volta (a chamada “política de pushback”), e uma vez que estão na Bielorrússia, são novamente encaminhados para a Polônia. O lugar se torna um limbo cruel em que pessoas são tratadas de forma desumana, sem ter para onde ir. Assim, a equipe de The Guest acompanha ações de grupos médicos e humanitários, e do próprio Maciek, que levam água, cobertores, comida e assistência aos grupos que vagam perdidos pelas florestas, tentando escapar dos militares, mas sem saber ao certo o próximo passo. Essas questões são trabalhadas também em Green Border, obra ficcional de Agnieszka Holland.
Nesse sentido, a casa de Maciek e sua família é também um limbo para Alhyder, que apesar de já ter passado a fronteira e estar do lado polonês, se separa de seu grupo no processo e não sabe também como seguir em frente. Se for encontrado pelos soldados, sempre filmados como ameaças um tanto fantasmagóricas, será empurrado para o outro lado da fronteira, então precisa encontrar uma maneira de se deslocar e chegar a algum lugar, sem prejudicar aqueles que o abrigam. Ao longo dessa tensão, em que o rapaz sírio não pode sair da casa e os moradores tentam se comunicar com ele em um inglês limitado e por meio de ferramentas de tradução online, cresce em Maciek a preocupação com seu hóspede, e a necessidade de o ajudar.
Com cenas de rostos embaçados e outros fortes registros de pessoas debilitadas nas florestas, The Guest, quase sempre que está fora da casa, realiza cenas de urgência que não se aproveitam da fragilidade daqueles que filma, mas busca destacar a tragédia humanitária de como funciona a fronteira. Alternando isso ao rosto quase sempre muito preocupado de Alhyder, ao qual uma das mulheres da família de Maciek convida a sorrir muitas vezes, o documentário foge totalmente de ser apelativo, embora a situação poderia ter sido facilmente aproveitada dessa forma por outros, e encontra soluções muito mais humanas para retratar como uma linha imaginária, e as políticas desastrosas de alguns países, colocam pessoas umas contra as outras, desumanizando aqueles que se tornam sem lugar e sem terra, caminhando no limbo com poucas chances de sobrevivência.
Com a duração bem enxuta, talvez fosse possível esticar um pouco o longa e dar mais corpo ao contexto geopolítico, de modo a tornar a história de Alhyder ainda mais impactante, bem como o suspense que ronda todas as visitas às florestas, e o desamparo registrado nas ações de ajuda a grupos em migração. No entanto, é positivo como The Guest não aproveita o clichê da empatia que nasce entre Maciek e Alhyder de forma óbvia, mas consegue captar as nuances mais bonitas da personalidade de ambos, mesmo que seja difícil compreender o que dizem, expandido a ideia do filme a partir dessa relação.
Esse texto faz parte da cobertura do Visions du Réel 2025 - Festival Internacional de Cinema de Nyon
Nota da crítica:
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