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Foto do escritorRaissa Ferreira

Visions du Réel | A Move (2024)

Questionando e provocando, Elahe Esmaili aproveita uma visita à sua família para discutir as opressões femininas no Irã por meio da obrigação do hijab


A Move Elahe Esmaili

De cabelos curtos e sem véu, Elahe Esmaili aparece enquanto o cenário se move em seu reflexo. Durante o feriado que celebra o fim do Ramadã, a diretora retorna ao seu lugar de origem para auxiliar os pais em uma mudança de casa, lugar em que grande parte das mulheres, incluindo sua mãe, usa algum tipo de tecido para cobrir os cabelos. Elahe aparenta ser diferente da maioria ali em muitos sentidos, nas roupas, postura, na forma como age e fala, enquanto de alguma forma os outros ao seu redor parecem um tanto presos a outro tempo. A loucura de empacotar coisas para partir para um novo lar é uma desculpa para filmar esse choque de pontos de vista, mas é, na verdade, uma festa no jardim de um de seus familiares que realmente incita as maiores provocações. Desde os primeiros minutos as roupas que serão usadas já são uma pauta debatida e a mãe insiste no uso de um chapéu ou boné ao menos, qualquer acessório que seja para que a cabeça de Elahe não fique totalmente descoberta. Essa questão se transforma em uma dinâmica típica da adolescência entre mãe e filha, a mulher que pede, insiste, demanda, e se irrita com a suposta rebeldia da outra que não quer ceder. Ocorre que Elahe tem princípios muito mais profundos em suas atitudes que uma simples recusa ao hijab, não é uma desfeita ou um ato de teimosia, mas sua intenção é retratar em seu filme o conservadorismo que se tornou tão nocivo no Irã que até uma simples cabeça descoberta se torna uma perigosa peça de revolução.


Entre países que proíbem o uso do hijab em determinados lugares e outros que o obrigam compulsoriamente, a questão da fé e da liberdade de escolha da mulher não chegam nem perto da pauta central, tudo se concentra em um controle de corpos femininos, seja em não permitir que optem por manifestarem suas crenças pelo uso do véu ou por determinarem de forma agressiva que o façam. Ao passear pelas ruas e lugares de cabelos livres, Elahe também exibe em tela outras mulheres sem véu, correndo riscos por simplesmente exercerem uma liberdade de escolha. É por isso que em muitas cenas vemos a diretora provocar seus familiares, com o uso de roupas que escandalizam sua mãe ou perguntando a outros homens se se incomodam com a ausência de um pano em sua cabeça. É uma incitação que coloca os questionamentos em movimento. Quando Elahe chega à festa, o constrangimento passa através da tela, gera um incômodo palpável em todos enquanto ela mesma caminha com tranquilidade, saudando cada um que encontra com muita simpatia. Existe uma tensão muito clara, mas mesmo que seja algo programado para atiçar os debates, se mostra necessário para que Elahe possa simplesmente ser ela mesma, como deseja, se posicionando inicialmente apenas ali, em seu núcleo familiar, mas a partir de seu filme, em uma escala muito maior, sobre uma questão muito mais profunda, complexa e complicada.


Captando em suas cenas os ritos religiosos, Elahe também percebe as separações e contrastes, de outras mulheres nas ruas, pessoas que avisam a ela o risco que corre, e outras que a julgam pelo olhar, e na própria festa que visitou, com uma parte da família orando no momento determinado enquanto outra parcela permanece isolada, em outras atividades. A Move serve como um gatilho para se pensar e debater uma questão que segue atual e incômoda, partindo de um lugar familiar para a cineasta, para ganhar maiores contornos.



 

Nota da crítica:

3,5/5


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