Visions du Réel 2025 | Fitting In
- Raissa Ferreira
- há 13 horas
- 3 min de leitura
Com pauta relevante em mãos, Fabienne Steiner pouco usa seu documentário para aprofundar um debate crítico e deixa a discussão racial para as pessoas negras que filma
30 anos depois do fim do apartheid, uma geração jovem, nascida e criada em tempos sem segregação racial, mas expostos a suas consequências inevitáveis, encontra os desafios de estudarem juntos, negros e brancos, na universidade. Fitting In acompanha os ciclos anuais em Stellenbosch, na África do Sul, com foco em uma de suas residências masculinas chamada Eendrag, em que jovens pregam pela diversidade ao receber novas turmas mas, na prática, são homens brancos agindo como meninos imaturos, enquanto o debate racial parece existir, verdadeiramente, somente nos grupos de estudantes negros.
Com terninhos bem alinhados, arrumados de acordo com o estilo da universidade, os alunos veteranos do comitê oficial recebem os novatos com muita pompa e seguindo rituais aplicados ano após ano. Eles falam inglês e africâner, assim como os lemas do local são estampados nos dois idiomas, pregam por uma convivência em diversidade, respeito e pedem o mínimo de homens em formação, como usar a descarga corretamente. A dinâmica que Fabienne Steiner filma em Stellenbosch é basicamente o que a pessoa espectadora em geral conhece das produções audiovisuais que retratam a vivência em universidades estadunidenses e nas fraternidades. Eendrag é como se fosse isso, um prédio em que os jovens vivem juntos, só homens, com seus lemas, regras e um orgulho do nome que carregam. Eles mesmos votam, elegem seus representantes, que são seus iguais, tecnicamente, e deixam seu legado.
A herança que os jovens de Fitting In encontram, no entanto, é apenas de homens brancos. As paredes de antigos alunos que são considerados herois, bem como o reencontro de estudantes do passado, só possuem caucasianos. Embora líderes jovens encham a boca para falar de diversidade, o que se vê no documentário é mais discurso por parte deles, enquanto uma segregação nada forçada ocorre no cotidiano da universidade. Jovens negros se aproximam, naturalmente, e misturam-se pouco com os brancos. Eles discutem os embates culturais e os desafios de estudarem em um lugar “para brancos”. A vivência queer e de outras etnias também entra em pauta nessas conversas, bem como a inclusão do idioma xossa, além do inglês e do africâner.
Enquanto isso, garotos brancos são vistos agindo de forma imatura pela universidade, em cenas que alternam suas diversões comuns a trabalhadores e trabalhadoras negras que cozinham e limpam na instituição. Steiner não faz um comentário contundente, nem se aprofunda no debate, apenas filma e associa suas imagens como que acreditando que isso tudo é suficiente. O que acaba deixando claro, portanto, é que o debate racial ocorre efetivamente apenas entre as pessoas negras, enquanto os alunos brancos parecem acomodados no lugar de falar sobre, introduzir a questão, e viver suas vidas normalmente sem alguma ação concreta. Resultado esse que fica mais evidente nas denúncias de racismo que são inseridas em áudios no longa, enquanto alunos negros, mais uma vez, comentam os ocorridos.
Os registros em Eendrag acabam por sublinhar mais um ensaio sobre o comportamento masculino branco, do que algo realmente fundamentado sobre os desafios da convivência em diversidade décadas depois do fim do apartheid. Os alunos se comportam de forma barulhenta, afirmando uma masculinidade que lhes parece importante, pintam seus corpos, batem nas mesas, cantam hinos e falam sobre garotas. Em muitos momentos os alunos negros os observam de fora, reforçando uma separação natural que existe na universidade, por serem pessoas tão distintas que não conseguem se misturar. E, os jovens em posições altas do comitê, falam como coaches, cheios de frases de efeito.
Embora naturalmente Fitting In capte a ausência de debate racial e de preocupação legítima pela diversidade vinda das pessoas brancas, acaba fazendo justamente o que seu registro compreende, deixando as discussões importantes para as pessoas negras. Assim, apenas ouvindo seus desabafos, conversas e reflexões, não avança além de identificar os pontos problemáticos e filmar cada grupo existindo de sua maneira. Não tensiona, não provoca, não busca esses momentos organicamente também.
Quando chega o momento de uma nova eleição, vê outros alunos negros sendo escolhidos para o comitê de Eendrag, como havia sido no ciclo anterior, não faz nenhum registro que reflita sobre a importância ou complexidade do que acontece, termina em futebol, demonstrando a incapacidade crítica de usar o filme como potência de debate.
Esse texto faz parte da cobertura do Visions du Réel 2025 - Festival Internacional de Cinema de Nyon
Nota da crítica:
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